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Qualidade de vida de pais/cuidadores de crianças e adolescentes com síndrome de Down

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a qualidade de vida (QV) de pais/cuidadores de crianças e adolescentes com síndrome de Down (SD) e a influência de aspectos sócio-demográficos nos resultados obtidos. MÉTODOS: Participaram 31 pais/cuidadores de crianças e adolescentes com SD, que foram divididos em três grupos: G1, cuidadores de dez crianças pré-escolares (idades entre 1 ano e 5 anos e 11 meses); G2, cuidadores de 11 crianças em idade escolar (idades entre 6 anos e 10 anos e 11 meses); e G3, cuidadores de dez pré-adolescentes e adolescentes (idades entre 11 anos a 15 anos e 11 meses). Dados de caracterização dos pais/cuidadores: a maioria estava na faixa etária de 40-49 anos; o grau de escolaridade Ensino Médio Completo foi o mais freqüente, seguido de Ensino Fundamental Incompleto e Ensino Superior Completo; quanto à classe econômica, a concentração foi nas classes C e B2. Foi aplicado o questionário de QV WHOQOL-bref. RESULTADOS: Dos pais/cuidadores pesquisados, 84% avaliaram sua QV como "boa" e 55% afirmaram se sentir "satisfeitos" com sua saúde. O domínio Meio Ambiente apresentou menor média quando comparado aos demais e apresentou correlação com as variáveis sócio-demográficas referentes ao "grau de instrução" e ao "nível socioeconômico". Não houve diferença entre os grupos na comparação das faixas etárias. CONCLUSÃO: Os dados obtidos apontam que a população estudada avalia sua QV como "boa" e está "satisfeita" com sua saúde. O domínio Meio Ambiente e as variáveis sócio-demográficas "grau de instrução" e "nível socioeconômico" são os aspectos que influenciam sua QV.

Síndrome de Down; Qualidade de vida; Cuidadores; Criança; Adolescente; Questionários


PURPOSE: To assess the quality of life (LQ) of parents/caregivers of children and adolescents with Down syndrome (DS), as well as the influence of socio-demographic aspects on the results obtained. METHODS: Participants were 31 parents/caregivers of children and adolescents with DS, divided into three groups: G1, caregivers of ten preschoolers (ages between 1 year and 5 years and 11 months); G2, caregivers of 11 school-aged children (ages between 6 years and 10 years and 11 months); and, G3, caregivers of ten pre-teens and adolescents (ages between 11 years and 15 years and 11 months). Parents/caregivers characterization: most of them were between 40 and 49 years old; high-school was the most common education level, followed by incomplete elementary school and college education; concerning the socio-economic class, most of them were from classes C and B2. The QL WHOQOL- bref protocol was administered. RESULTS: Eighty-four percent of the parents/caregivers rated their QL as "good", and 55% reported to be "satisfied" with their health. The lowest average score was found for the Environment domain, which was found to be correlated with socio-demographic variables "education degree" and "socio-economic level". No difference was found between groups when age ranges were compared. CONCLUSION: The results suggest that the studied population consider their QL as "good", and is "satisfied" with their health. The Environment domain and the socio-demographic variables "education degree" and "socio-economic level" are the aspects that influence their quality of life.

Down syndrome; Quality of life; Caregivers; Child; Adolescent; Questionnaires


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Qualidade de vida de pais/cuidadores de crianças e adolescentes com síndrome de Down

Emília de Faria Oliveira; Suelly Cecilia Olivan Limongi

Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Suelly Cecilia Olivan Limongi R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária São Paulo (SP), Brasil, CEP: 05360-160. E-mail: slimongi@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a qualidade de vida (QV) de pais/cuidadores de crianças e adolescentes com síndrome de Down (SD) e a influência de aspectos sócio-demográficos nos resultados obtidos.

MÉTODOS: Participaram 31 pais/cuidadores de crianças e adolescentes com SD, que foram divididos em três grupos: G1, cuidadores de dez crianças pré-escolares (idades entre 1 ano e 5 anos e 11 meses); G2, cuidadores de 11 crianças em idade escolar (idades entre 6 anos e 10 anos e 11 meses); e G3, cuidadores de dez pré-adolescentes e adolescentes (idades entre 11 anos a 15 anos e 11 meses). Dados de caracterização dos pais/cuidadores: a maioria estava na faixa etária de 40-49 anos; o grau de escolaridade Ensino Médio Completo foi o mais freqüente, seguido de Ensino Fundamental Incompleto e Ensino Superior Completo; quanto à classe econômica, a concentração foi nas classes C e B2. Foi aplicado o questionário de QV WHOQOL-bref.

RESULTADOS: Dos pais/cuidadores pesquisados, 84% avaliaram sua QV como "boa" e 55% afirmaram se sentir "satisfeitos" com sua saúde. O domínio Meio Ambiente apresentou menor média quando comparado aos demais e apresentou correlação com as variáveis sócio-demográficas referentes ao "grau de instrução" e ao "nível socioeconômico". Não houve diferença entre os grupos na comparação das faixas etárias.

CONCLUSÃO: Os dados obtidos apontam que a população estudada avalia sua QV como "boa" e está "satisfeita" com sua saúde. O domínio Meio Ambiente e as variáveis sócio-demográficas "grau de instrução" e "nível socioeconômico" são os aspectos que influenciam sua QV.

Descritores: Síndrome de Down; Qualidade de vida; Cuidadores; Criança; Adolescente; Questionários

INTRODUÇÃO

A síndrome de Down (SD) é facilmente diagnosticada no período imediato ao nascimento, devido às suas características peculiares, e a notícia transmitida aos pais logo nos primeiros dias de vida da criança. Há alguns anos, vem sendo cada vez mais frequente o conhecimento desse diagnóstico ainda no período gestacional, em decorrência dos exames cada vez mais precisos para a identificação da síndrome, o que traz impacto sobre toda a família(1,2). O confronto do nascimento entre o bebê imaginado e o real, quando a imagem não corresponde à idealizada, como no caso de crianças com SD(3-5), traz respostas de negação ou de aceitação que podem refletir no vínculo que é estabelecido e, consequentemente, nos cuidados dispensados ao filho, bem como no processo de desenvolvimento da criança(5,6).

Autores(7) que estudam o tema qualidade de vida (QV) têm a preocupação de abordar conceitos como saúde e doença, influenciados pela mudança de perfil de morbimortalidade e sua relação com os avanços da medicina diagnóstica e terapêutica. Apontam que saúde e doença constituem processos que podem ser compreendidos como um continuum e que estão diretamente relacionados a aspectos econômicos, socioculturais e estilos de vida. A presença de um indivíduo que necessite de cuidados diferenciados trará efeitos sobre a estrutura familiar que dependerão, inclusive, de qual membro familiar é o acometido, do tempo de permanência do agravo e de sua gravidade(8). No caso das crianças, e principalmente de crianças com algum tipo de deficiência, a família tem o importante papel de estimular, dar atenção, carinho, ser compreensiva e proteger(6,8). Nesse sentido, família pode ser entendida como um grupo organizado de pessoas que, de acordo com aspectos socioculturais, necessidades individuais e do próprio grupo, está submetido à relação e interação em que cada membro possui e desempenha um papel específico.

Ao se considerar a criança com SD, é ressaltado o fato dessas crianças se desenvolverem de forma mais lenta e, consequentemente, necessitarem de grande dedicação(4,5,9), o que, segundo algumas pesquisas(2-4,6,8,10), traria influência nadinâmica familiar.Apesar da repercussão se estender por toda a família, o chamado cuidador principal fica com a responsabilidade de prestar assistência física, emocional, medicamentosa e, muitas vezes, financeira à pessoa acometida(8). Muitos estudos apontam a mãe como a figura que desempenha, frequentemente, o papel de cuidador, tanto nos cuidados diretos com a criança, quanto na prestação de informações, seja sobre o desenvolvimento geral, saúde e educação(5,6,8-11), justificado pela função social estabelecida historicamente. No entanto, outros pesquisadores consideram igualmente como cuidadores o pai e mãe(3,4,12-15) .

O papel do cuidador principal é de fundamental importância na assistência à pessoa que necessita de cuidados diferenciados e na sua manutenção na comunidade, evitando situações de exclusão. Entretanto, as tarefas atribuídas ao cuidador, muitas vezes sem a orientação adequada e sem o suporte das instituições de saúde e das redes sociais, a alteração das rotinas e o tempo despendido no cuidado podem interferir diretamente nos aspectos de sua vida pessoal, familiar e social e, por conseguinte, gerar impactos na QV(4,6-9,14,15). As pesquisas apontam a presença de estresse como um fator importante relacionado a toda essa situação, manifestado de formas e em intensidades diversas, nos diferentes membros componentes da família, inclusive naqueles que apresentam o acometimento(1-4,15-17).

A presença do estresse é apontada como fator importante de QV da família e seus membros componentes, mesmo em relação à SD, embora em menor proporção quando comparada a outras doenças, como no caso do autismo e outros quadros psiquiátricos, quadros neurológicos, casos com defasagem cognitiva inespecífica(2,5,9-11,13,16). Em geral, o estresse estaria vinculado a problemas comportamentais, às dificuldades de comunicação (linguagem compreensiva e expressiva) e à defasagem cognitiva que, com o aumento da idade das crianças tornam-se mais facilmente observáveis(2,13). Para os pais , quando comparados às mães, há maior dificuldade em lidar com tais situações(16).

Alguns pesquisadores chegam a mencionar a "vantagem da SD" ao se referirem às questões relacionadas ao estresse, que incluiria fatores como: reconhecimento do quadro e diagnóstico precoce; ter origem cromossômica, que seria fator externo aos pais; ter ampla prevalência, sendo de acontecimento e reconhecimento comum; ter desenvolvimento lento, que permitiria maior tempo de adaptação às modificações no comportamento e seu curso ser previsível(2,5,6,8-10). Concorrem para tanto, outros fatores apontados como decorrentes de ideias estereotipadas acerca de crianças com SD, por terem temperamento dócil, serem amigáveis e, em decorrência, serem facilmente adaptáveis às situações. Tais ideias estereotipadas influenciariam positivamente, segundo alguns autores, no nível de estresse e bem-estar dos membros da família(2,5).

A observação e identificação de fatores que influenciam no modo de vida e na relação entre os membros de uma família que possui um dos seus acometidos por algum fator físico, emocional ou intelectual levou pesquisadores ao estudo da QV de indivíduos nessas situações. A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu QV, como relatado em estudo nacional(18), como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações", em cujo conceito está implícita a ideia que a QV é subjetiva, multidimensional e inclui elementos de avaliação tanto positivos como negativos(7,18-21). Para que a avaliação da QV pudesse ser realizada mundialmente, foi constituído o Grupo de Qualidade de Vida da OMS, que desenvolveu um projeto colaborativo multicêntrico cujo resultado foi o WHOQOL-100 (World Health Organization Quality of Life-100), composto por 100 itens/questões(18).

A partir deste instrumento, foi elaborado outro, o WHOQOL-bref, composto por 26 questões, com o objetivo de cumprir tal avaliação com a mesma efetividade, porém de forma mais rápida e fácil(18). OWHOQOL-bref apresenta duas questões gerais referentes à QV e mais 24 perguntas, que representam cada uma das 24 facetas que compõem o instrumento original. É dividido em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. Autores realizaram estudo com a finalidade de comparar os dois instrumentos em teste e reteste, com população submetida a transplante, e obtiveram alta correlação entre eles, exceto no domínio social(22).

Na língua portuguesa, são encontradas ambas as formas do WHOQOL, traduzidas e validadas(19,23), utilizadas tanto em estudos analíticos sobre instrumentos para avaliação da QV(7,18,20), quanto com aplicação em pesquisas com diferentes populações(4,8,11,15). Com relação à SD, tais instrumentos também são utilizados entre nossos pesquisadores(4,8,11). Na literatura internacional observa-se grande variedade de instrumentos para avaliação da QV, mesmo com relação à SD, compostos por diferentes tipos de questionários(1,2,5,9,10,13,16,17) .

O objetivo do presente estudo foi avaliar a QV de pais/cuidadores de crianças e adolescentes com SD e a influência de aspectos sócio-demográficos nos resultados obtidos.

MÉTODOS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CEP-FMUSP), processo nº 237/10. Todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Trata-se de estudo quantitativo de caráter descritivo e exploratório. Participaram 31 pais/cuidadores de crianças e adolescentes com SD, pacientes da instituição. Como critérios de inclusão foram considerados: responsabilidade pelo cuidado diário das crianças/adolescentes; idade máxima das crianças/adolescentes de 15 anos e 11 meses.

Todas as crianças e adolescentes têm acompanhamento médico-clínico, realizado nos locais de preferência da família, e de audição, realizado na instituição.

A partir do proposto por autores(24), foi considerado cuidador a pessoa que acompanhava a criança até o Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Síndromes e Alterações Sensório-Motoras da FMUSP (LIF-SASM), local onde a terapia fonoaudiológica ocorria, que por sua vez recebia todas as orientações e informações pertinentes ao tratamento. Essa pessoa deveria ser do núcleo familiar restrito da criança, isto é, morar com ela e ser responsável por seus cuidados diários(25). Fizeram parte, então, 22 mães, sete pais e duas avós.

Para fins de comparação, os pais/cuidadores foram divididos em três grupos de acordo com a idade cronológica das crianças e adolescentes: G1, composto por cuidadores de dez crianças pré-escolares (idades entre 1 ano e 5 anos e 11meses, com média de 3 anos e 8 meses); G2, composto por cuidadores de 11 crianças em idade escolar (idades entre 6 anos e 10 anos e 11 meses, com média de 8 anos e 5 meses); e G3, composto por cuidadores de dez pré-adolescentes e adolescentes (idades entre 11 anos e 15 anos e 11 meses, com média de 12 anos e 8 meses). Foi aplicado individualmente aos pais/cuidadores o questionário WHOQOL-bref, pela pesquisadora, fonoaudióloga, que não tinha contato ou conhecimento prévio a respeito das crianças e adolescentes, com vistas a evitar possibilidade de influência na obtenção dos dados. Apesar do WHOQOL-bref ser um instrumento autoaplicável, optou-se por realizar a entrevista para que não ocorressem problemas referentes à interpretação das questões. Caso surgissem dúvidas por parte dos pais/cuidadores, era dada explicação geral, sem a menção de exemplos.

Para fins de análise, o estudo respeitou o desenho do instrumento(19,22). Na análise estatística descritiva foi utilizada sintaxe específica e com escores transformados de zero a 100. Os dados referentes ao perfil sócio-demográfico, considerando-se a idade dos pais/cuidadores, o grau de instrução e o nível socioeconômico, foram organizados de acordo com a ABEP CCEB(26) (Tabela 1).

Para a análise estatística foram utilizados os testes não paramétricos de Friedman, Wilcoxon, Correlação de Spearman e Kruskal-Wallis. Na complementação da analise descritiva, foi utilizada a técnica de Intervalo de Confiança para média. Foi definido nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Quanto às duas perguntas gerais sobre QV, as respostas para "Como você avaliaria sua qualidade de vida?" indicaram que, do total de 31 pais/cuidadores de crianças/adolescentes com SD, 84% (n=26) a avaliaram como "boa" e os demais, 16% (n=5), a avaliaram como "nem ruim nem boa". Em relação à questão "Quão satisfeito você está com a sua saúde?", 55% (n=17) dos pais/cuidadores responderam estar "satisfeitos" e 16% (n=5) disseram se sentir "muito satisfeitos"; por outro lado, 19% (n=6) se sentiam "insatisfeitos" e 10% (n=3) "nem insatisfeitos, nem satisfeitos".

A comparação entre os domínios do WHOQOL-bref identificou diferenças entre eles (p<0,001) (Tabela 2).

A comparação dos valores das medianas e das médias de cada domínio permite verificar que a distribuição da amostra é simétrica, uma vez que esses valores estão próximos em todos os domínios. Além disso, o desvio padrão mostra que os dados são homogêneos.

O domínio Meio Ambiente é o que possui a menor média, com 53,33 ± 5,05, o que mostra que este domínio é o mais afetado.

Foi realizada a comparação entre os domínios, aos pares (Tabela 3).

A comparação realizada permite observar que o domínio Meio Ambiente é o que apresenta diferença estatística em relação a cada um dos demais.

Foi realizada a correlação entre cada um dos domínios e as variáveis sócio-demográficas (idade dos pais/cuidadores, grau de instrução e nível socioeconômico) (Tabela 4).

Foram encontradas correlações positivas estatisticamente significantes apenas entre o domínio Meio Ambiente e as variáveis sócio-demográfias "nível socioeconômico" e "grau de instrução".

Os grupos foram comparados em relação cada domínio (Tabela 5).

A análise estatística mostrou que em todos os domínios as crianças são homogêneas quanto aos resultados do WHOQO- bref.

DISCUSSÃO

A proposta de estudo da QV e sua relação com as ciências da saúde tem se intensificado em anos mais recentes e suscitado pesquisas de revisão conceitual e metodológica(12,21,23), mesmo ao se considerar o estado da arte no Brasil(7,20,27), além de discussões e estudos nas mais diversas áreas da saúde e com diferentes populações. Os objetivos visam, em sua maior parte, fornecer melhores condições para o desenvolvimento dos indivíduos e maiores facilidades para a realização de tais metas, sejam funcionais, psicológicas, culturais, sociais ou econômicas(3,5,7,9,10,16,17,27).

Em trabalhos que estudam esses aspectos e que envolvem populações com alterações no desenvolvimento geral(10) ou intelectual inespecífico(13), ou que pertencem ao espectro autístico(15), encontra-se o uso do termo pais e/ou cuidadores de forma generalizada sem, necessariamente, haver referência a dados que caracterizem cada um desses indivíduos, ou que os compare. Em estudos sob o tema da QV realizados com a SD, autores se propõem a apresentar achados que envolvem pais/cuidadores e, em geral, sua população é composta, majoritariamente, por mães(2,4-6,8,10). Em escassos casos, o objetivo é estudar o elemento masculino enquanto cuidador, isto é, o pai(16) ou ainda o próprio indivíduo acometido(1,11,17). No caso do presente estudo, o alvo foi o cuidador, como definido no método, em sua maioria também mães, embora tenham feito parte da população sete pais e duas avós.

Embora a inclusão desses nove cuidadores não mães pudesse trazer alguma interferência nos resultados obtidos, a composição mista e não totalmente controlada do universo entrevistado pode ser justificada pelo fato de ser a realidade encontrada no serviço em que as crianças e adolescentes em questão estavam inseridos. Em ocasiões, mães assumem o papel do provedor econômico da família, uma vez que pais, por diferentes motivos, podem não ter atividade econômica estável. O mesmo pode ser considerado em relação às avós. A questão econômica como fator de interferência na dinâmica familiar, quando se considera a presença de indivíduos com SD, é pouco abordada e analisada de maneira generalizada(5,10)

Em relação à autoavaliação da QV ("muito ruim", "ruim", "nem ruim nem boa", "boa" ou "muito boa"), a maioria dos pais/cuidadores a avaliou como "boa". Esse dado é corroborado por resultados encontrados em outros estudos(4,8) e pode ser remetido ao domínio Relações Sociais. De acordo com alguns autores(2,5), ideias a respeito de indivíduos com SD terem comportamento dócil, serem amigáveis e facilmente adaptáveis às situações, conduzem ao favorecimento de atitudes sociáveis, o que facilitaria o convívio social para pais/cuidadores. Esses mesmos autores referem que, apesar de serem positivas, tais ideias são estereotipadas e não correspondem, necessariamente, à realidade de todos os indivíduos com SD.

Outra questão que pode reforçar os achados mencionados, inclusive corroborar o resultado do escore relativo ao domínio Psicológico encontrado na presente pesquisa, pode estar relacionado à chamada "vantagem da SD". Segundo alguns estudos(2,5,9,10), os pais de crianças com SD relatam uma maior recompensa pessoal, melhor qualidade de relacionamento com os filhos e bem-estar subjetivo quando comparados aos pais de crianças com outras deficiências. Há estudos que relatam que pais/cuidadores de crianças com SD, apesar de apresentarem sinais de estresse, comparativamente a outras patologias esses sinais são menos intensos e são justificados devido fatores como: possibilidade de acompanhamento do desenvolvimento das crianças, apesar das dificuldades clínicas e intelectuais; adaptação às condições das crianças durante o período de desenvolvimento, que é mais lento; por serem, na maioria das vezes, pais mais velhos, a família estaria mais adaptada em sua dinâmica(1-3,5,9,17). Outro fator salientado por alguns autores refere-se à questão da identificação da defasagem intelectual. Segundo esses estudos(9,13), o fato de pais saberem que a defasagem cognitiva presente na SD faz parte do fenótipo incorreria em menor grau de estresse, quando comparados aos pais cujos filhos apresentam essa característica de forma inespecífica.

Ao se considerar o domínio Físico, cujo escore obtido foi mais próximo dos domínios Psicológico e Relações Sociais que do Meio Ambiente, os dados encontrados foram corroborados por outros estudos(4,11,28). É interessante notar que, tanto na literatura nacional quanto na internacional, são encontradas poucas análises a respeito das facetas que compõem esse domínio, aspecto também salientado em outro estudo(28). Nesse sentido, a influência do estresse em fatores como saúde, energia e fadiga, sono e repouso, capacidade para o trabalho, dependência de tratamentos relacionados aos cuidadores nem sempre é analisada de forma cuidadosa (3,9,16).

Em estudo realizado com mães de indivíduos com SD, cuja faixa etária compreendia desde o nascimento até 25 anos, os autores(28) observaram que o maior impacto na saúde física das mães está relacionado ao grau de envolvimento com as tarefas funcionais diárias realizadas com os filhos. Assim, quanto mais independentes os filhos se tornam, melhor é a condição física apresentada pela mãe. Esses autores enfatizam, ainda, que o impacto da presença de comportamentos mal adaptados se dá em relação à saúde psicológica nas mães, observada do ponto de vista da presença de estresse. Outros autores(10) apontam que um fator de importância para a saúde física de mães de indivíduos com SD é o otimismo presente em relação a boas expectativas para o desenvolvimento de seus filhos. Como apontado por alguns autores(1,2,10), há estreita relação entre fatores que compõem os aspectos sociais, psicológicos e físicos que são considerados em estudos relacionados à QV, como pode ser observado pelos dados obtidos na presente pesquisa.

O domínio Meio Ambiente, que está relacionado ao lazer, ao acesso aos serviços de saúde, transporte e às condições de moradia, mostrou ter a menor média comparada aos outros domínios, corroborando estudos tanto com relação à SD(8), quanto com menção feita a crianças com autismo(15). Em trabalho de revisão sobre o tema QV, aspectos discutidos também ressaltam a importância e a influência do meio ambiente nesta questão(21). Contudo, ao abordar a mesma população estudada na presente pesquisa, autores encontraram o domínio Meio Ambiente com a segunda média mais baixa entre todos, sendo suplantado pelo domínio Psicológico(4). Em estudo cujo foco estava direcionado ao lazer, os autores(14) enfatizaram a importância de sua ocorrência para pais/cuidadores de indivíduos com SD como meio de redução de estresse e aumento de bem-estar físico e emocional, além de favorecer relacionamentos sociais e harmonização familiar. Essa questão pode ser considerada de difícil realização tanto por dados obtidos na presente pesquisa quanto em outros estudos(8,12).

A correlação encontrada para o domínio Meio Ambiente indica que este domínio está relacionado principalmente ao nível socioeconômico e ao grau de instrução dos pais/cuidadores. Esse resultado corrobora achados de outros estudos que apontam que a desvantagem socioeconômica e cultural pode interferir nos níveis de estresse dos pais/cuidadores e está relacionada a um pior relacionamento entre pais e filhos(9,20). Autores ressaltam, também, que o nível de instrução dos cuidadores (principalmente das mães) e as perspectivas culturais (referentes ao casal) estão relacionados ao grau de otimismo com o qual desenvolvem suas vidas(10,11,13).

Os dados referentes à idade dos pais/cuidadores e os domínios não apresentaram correlação estatística na presente pesquisa. Em estudos relacionados a esse fato, autores(5,10) observaram que a idade, em geral com referência às mães, pode ser considerada fator positivo tanto na relação entre pais/cuidadores e indivíduos com SD, quanto no favorecimento da QV. Em geral, as mães são mais velhas e se encontram em fase de vida mais madura. Infelizmente, os dados dispostos pela presente pesquisa não permitem a realização de análise nesse sentido, embora seja importante considerar o conhecimento desses comentários.

Na presente pesquisa optou-se por comparar, também, os domínios em função das idades das crianças e adolescentes, com o objetivo de verificar possíveis diferenças nos resultados, como é apontado em alguns estudos(13,16,17). Não houve diferença entre os grupos, indicando homogeneidade na população estudada. Por outro lado, como esses mesmos autores observaram, a aplicação do questionário é feita a pais/cuidadores ou a outros profissionais, que podem considerar outras variáveis como sendo mais importantes, como a presença de comportamentos mal-adaptados, principalmente.

Em revisão acerca de pesquisas sobre QV em saúde realizadas no estado de São Paulo, autores(20) apontam, além da existência de duas formas de mensuração, específica e genérica, a importância dada a esse tipo de pesquisa para nossa realidade. Indicam a utilização do WHOQOL que, como um instrumento genérico, engloba aspectos importantes relacionados à saúde e refletem a influência ou o impacto da existência de uma doença na vida do indivíduo ou de sua família. Nesse sentido, outros estudos(4,7,11,15,20,22,23,27), tanto na literatura nacional quanto internacional envolvendo diferentes patologias, concordam com tal comentário e mencionam que o WHOQOL-bref possui as características psicométricas adequadas para avaliação da QV. Na presente pesquisa, as diferenças entre os domínios obtidos corroboram tais achados.

Estudo realizado(23) com o objetivo de validar a utilização da forma abreviada do instrumento comprovou sua efetividade, embora tenha apontado que a correlação para o domínio Relações Sociais não seja tão alta quanto para os demais domínios. Em relação à aplicação do questionário e aos comentários encontrados nos estudos acima mencionados, uma pesquisa(21) chama a atenção dos pesquisadores para a utilização de questões curtas, com linguagem simples e acessível aos participantes.

A realização do presente estudo traz algumas considerações importantes a serem mencionadas. Uma delas diz respeito à contribuição na compreensão de efeitos na QV de pais/cuidadores de crianças e adolescentes com SD e sua influência na proposição de intervenção terapêutica. A outra se refere a algumas limitações que devem ser consideradas, como o número de participantes, que restringe a generalização dos achados. Nesse sentido, seria interessante a realização de estudo longitudinal, que permitisse acompanhar a evolução das observações fornecidas pelos pais/cuidadores e verificar possíveis modificações nos aspectos relacionados ao domínio Meio Ambiente e influências dos dados sócio-demográficos.

Merece referência, ainda, o fato de que os dados apresentados nesta pesquisa não foram comparados a dados obtidos com população de pais/cuidadores de crianças e adolescentes sem queixas de desenvolvimento. Tal comparação poderia acrescentar observações interessantes de serem estudadas. Na literatura, quando abordada a questão da QV, mesmo que avaliada por diferentes instrumentos, são encontrados estudos em que a comparação é feita entre grupos de indivíduos com diferentes patologias(2,5,10,16), ou que não utilizam esse desenho metodológico(9,13-15,17). O mesmo foi observado com relação ao tema quando dirigido à SD e à utilização do WHOQOL-bref (4,8,11).

Não se deve negar a importância do WHOQOL-bref como instrumento de medida de QV e de fornecimento de informações a respeito do indivíduo, ou grupo de indivíduos, que serão úteis para melhor adequação de um processo terapêutico, nem tampouco desconsiderar a importância de fatores intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo, que podem ter influência na obtenção de dados e em sua análise. Muitos estudos(7,19-21,27) ressaltam tal questão.

CONCLUSÃO

Os dados obtidos apontam que a população estudada avalia sua QV como "boa" e está "satisfeita" com sua saúde. O domínio Meio Ambiente e as variáveis sócio-demográficas "grau de instrução" e "nível socioeconômico" são os aspectos que influenciam sua QV.

Recebido em: 28/2/2011

Aceito em: 1/9/2011

Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Síndromes e Alterações Sensório Motoras, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Suelly Cecilia Olivan Limongi
    R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      28 Fev 2011
    • Aceito
      01 Set 2011
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