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Síndrome do impacto posterior do tornozelo: um diagnóstico que deve ser lembrado pelo reumatologista. Relato de dois casos

Resumos

O tornozelo é sítio frequente de sintomas dolorosos em atletas e não atletas. A dor localizada na região posterior pode ser o resultado final de diversas patologias, sendo um desafio diagnóstico para o reumatologista. A síndrome do impacto (pinçamento) posterior do tornozelo, também denominada síndrome os trigonum e síndrome compressiva tibiotalar posterior, é um distúrbio clínico caracterizado por dor aguda ou crônica na região posterior do tornozelo, desencadeada pela flexão plantar forçada, que promove microtrauma crônico repetitivo. A patologia do processo os trigonum-talar é a causa mais comum dessa síndrome, mas existem outras causas, como tenossinovite do flexor longo do hálux, osteocondrite de tornozelo, doença da articulação subtalar e fratura. O diagnóstico baseia-se na história clínica e exame físico, e complementado por achados na radiografia simples (RX), ultrassom (US), cintilografia, tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM). Destacamos o RX por seu baixo custo e boa sensibilidade, o US pela possibilidade de guiar infiltrações terapêuticas e a RM pela possibilidade de avaliar partes moles adjacentes.

tornozelo; traumatismos do tornozelo; articulação do tornozelo


The ankle is a common site of painful symptoms in athletes and nonathletes. Posterior ankle pain can be the end result of several pathologies, and a diagnostic challenge for rheumatologists. The posterior ankle impingement syndrome, also known as os trigonum syndrome and posterior tibiotalar compression syndrome, is a clinical disorder characterized by acute or chronic posterior ankle pain triggered by forced plantar flexion, which causes chronic repetitive microtrauma. Pathology of the os trigonum-talar process is the most common cause of this syndrome, but there are other causes, such as tenosynovitis of the flexor hallucis longus, ankle osteochondritis, subtalar joint disease, and fracture. Diagnosis is based on clinical history and physical examination, and complemented by findings on plain radiography (RX), ultrasound (US), scintigraphy, computed tomography (CT), and magnetic resonance imaging (MRI). It is worth noting that RX has low cost and good sensitivity, US can provide guidance to therapeutic infiltrations, and MRI allows the assessment of surrounding soft tissues.

ankle; ankle trauma; ankle joint


RELATO DE CASO

Síndrome do impacto posterior do tornozelo: um diagnóstico que deve ser lembrado pelo reumatologista. Relato de dois casos

Adriano ChiereghinI; Michele Rodrigues MartinsI; Carina Mori Frade GomesII; Renata Ferreira RosaIII; Sonia Maria Alvarenga Anti LoducaIV; Wiliam Habib ChahadeV

IAluno De especialização em Reumatologia; Especialista em Clínica Médica, HSPE-FMO

IIMédica-reumatologista; Especialista em Reumatologia pela SBR

IIIMestre em Reumatologia pelo HSPE-FMO; Assistente de Reumatologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) e do Serviço de Reumatologia do HSPE

IVAuxiliar de Ensino da Disciplina de Reumatologia da FMABC; Médica-assistente e Preceptora do Serviço de Reumatologia do HSPE-FMO

VDoutor em Reumatologia pela Universidade de São Paulo; Diretor do Serviço de Reumatologia do HSPE- FMO

Correspondência para Correspondência para: Rua Pedro de Toledo, 1.800. Vila Clementino São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04039-901 E-mail: dichi78@hotmail.com

RESUMO

O tornozelo é sítio frequente de sintomas dolorosos em atletas e não atletas. A dor localizada na região posterior pode ser o resultado final de diversas patologias, sendo um desafio diagnóstico para o reumatologista. A síndrome do impacto (pinçamento) posterior do tornozelo, também denominada síndrome os trigonum e síndrome compressiva tibiotalar posterior, é um distúrbio clínico caracterizado por dor aguda ou crônica na região posterior do tornozelo, desencadeada pela flexão plantar forçada, que promove microtrauma crônico repetitivo. A patologia do processo os trigonum-talar é a causa mais comum dessa síndrome, mas existem outras causas, como tenossinovite do flexor longo do hálux, osteocondrite de tornozelo, doença da articulação subtalar e fratura. O diagnóstico baseia-se na história clínica e exame físico, e complementado por achados na radiografia simples (RX), ultrassom (US), cintilografia, tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM). Destacamos o RX por seu baixo custo e boa sensibilidade, o US pela possibilidade de guiar infiltrações terapêuticas e a RM pela possibilidade de avaliar partes moles adjacentes.

Palavras-chave: tornozelo, traumatismos do tornozelo, articulação do tornozelo.

INTRODUÇÃO

Dor no tornozelo é queixa frequente nos ambulatórios e consultórios dos reumatologistas, porém, o diagnóstico de síndrome do impacto posterior do tornozelo é pouco lembrado na prática médica diária. Relatamos dois casos em que, após avaliação clínica e radiológica adequada, definiu-se o diagnóstico como síndrome do impacto posterior do tornozelo, sendo possível instituir terapêutica adequada e obter resposta satisfatória. Ressaltamos a importância da história clínica e ocupacional para alertar o diagnóstico.

RELATO DE 2 CASOS

Caso 1

JN, sexo masculino, 46 anos, motorista, apresentava queixa de dor em face plantar do calcanhar esquerdo havia 6 anos, que piorava ao dirigir. Ao exame apresentava dor na flexão de pé esquerdo. A RM evidenciou presença de ossículo trigonal acessório associado à artropatia subtalar posterior e processo inflamatório adjacente. Foi orientado uso de AINH com melhora total da queixa (Figura 1).


Caso 2

MA, sexo feminino, 61 anos, professora, apresentava queixa de dor em calcanhares e face posterior de tornozelos, principalmente à esquerda, havia 2 anos, com piora à deambulação e ao ficar muito tempo em pé. Ao exame apresentava dor na flexão forçada dos pés. RX simples da região evidenciou presença de os trigonum. Foi orientado repouso e introduzido anti-inflamatório não hormonal com boa resposta (Figura 2).


DISCUSSÃO

A síndrome do impacto posterior é uma condição que surge da compressão dos tecidos moles entre o processo posterior do calcâneo e tíbia posterior durante flexão plantar do tornozelo.5 Um processo posterolateral do tálus (Stieda) proeminente pode ser uma importante causa da síndrome ou, se o os trigonum estiver presente, devido ao impacto com as estruturas adjacentes.6

O os trigonum é um centro de ossificação secundário no aspecto posterolateral do tálus e está presente em cerca de 5% a - 15% dos pés "normais". A sua ossificação ocorre entre os 7 e 13 anos de idade, funde-se em 1 ano formando o processo Stieda, porém pode permanecer como um ossículo separado em 7% a 14% dos pacientes, geralmente de modo bilateral.6

Uma das causas de dor na região posterior do tornozelo na flexão plantar forçada é a lesão aguda na flexão plantar, levando à fratura do processo trigonal e a danos na sincondrose trigonal. Fratura crônica também pode ocorrer como resultado de estresse repetitivo. No entanto, o os trigonum pode ser sintomático mesmo permanecendo intacto durante a flexão plantar extrema.

O diagnóstico baseia-se primeiramente na história clínica e no exame físico dos pacientes que apontam incapacidade para as atividades em flexão plantar do tornozelo, tais como chute e apoio na ponta dos pés. Vale lembrar que são mais propensos ao desenvolvimento da patologia atletas que realizam esportes com chutes, bailarinas que usam a posição digitígrada, e trabalhadores que acionam pedais, como motoristas e costureiras.7 Ao exame físico, a palpação da porção posterior da articulação do tornozelo provoca dor, assim como a manobra de flexão plantar máxima passiva.

O achado radiográfico na incidência em perfil mostra o tubérculo posterior aumentado (processo de Stieda) ou presença do os trigonum; porém esses sinais nem sempre são a razão dos sintomas. O RX mostra o os trigonum e a calcificação secundária das ênteses que, na maioria das vezes, ocorre de maneira concomitante. Já a RM demonstra o processo inflamatório ocasionado pelo impacto posterior do os trigonum com a borda tibial, visíveis como imagem de alta intensidade intraóssea (edema ósseo) e na gordura periarticular.4

Diagnóstico diferencial

Nos casos de dor na região do tornozelo, é importante que o examinador clínico leve em consideração, com base no tipo de dor, a região atingida e a história clínica, uma série de diagnósticos para melhores condução e resolução do problema. Entre os diagnósticos possíveis, citamos os de maior relevância na Tabela 1..

Tratamento

Deve ser conduzido de forma clínica com a orientação de repouso, fisioterapia, crioterapia, anti-inflamatório não hormonal ou hormonal por 4 a 6 semanas com um sucesso de aproximadamente 60%.6 Existe ainda a possibilidade de tratamento cirúrgico quando há falha no seguimento clínico, fratura do processo trigonal, lesão osteocondral ou necessidade de reparo em estruturas neurovasculares. O procedimento cirúrgico ocorre com incisão aberta posteromedial ou posterolateral e tem uma taxa de sucesso de aproximadamente 75% com retorno a atividades em 3 a 5 meses; quando se opta por técnica artroscópica a taxa de complicação é de 1% a 9% menor, e o retorno às atividades ocorre em 9 semanas.4,9

CONCLUSÃO

A dor na face posterior do tornozelo é uma queixa comum. A síndrome do os trigonum é um dos diagnósticos diferenciais nos atletas, devendo também ser lembrada pelos reumatologistas na prática diária, mesmo em pacientes não atletas, especialmente se submetidos a estresse repetitivo na região posterior do tornozelo. O tratamento deve ser dirigido para a causa específica, sendo que, na maioria das vezes, os sintomas se resolvem com repouso e anti-inflamatórios. Em alguns casos, pode ser necessária intervenção cirúrgica.

Recebido em 15/4/2010.

Aprovado, após revisão, em 18/1/2011.

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira HSPE-FMO.

  • 1
    Bureau NJ, Cardinal E, Hobden R, Aubin B. Posterior ankle impingement syndrome: imaging findings in seven patients. Radiology 2000; 215(2):497-503.
  • 2
    Karasick D, Schweitzer ME. The os trigonum syndrome: imaging features. American Journal of Radiology 1996; 166:125-9.
  • 3
    Robinson P. Impingement syndrome of the ankle, European Radiology 2007; 17(12):3056-65.
  • 4
    Lima CMAO, Ribeiro E, Coutinho EPD, Vianna EM, Domingues RC, Junior ACC. Síndrome do impacto do tornozelo na ressonância magnética: ensaio iconográfico/Magnetic resonance imaging of ankle impingement syndrome: iconographic essay, Radiologia Brasileira 2010; 43(1):53-7.
  • 5
    Robison P, White LM. Soft-tissue and osseous impingement syndrome of the ankle: role of imaging in diagnosis and management. RadioGraphics 2002; 22(6):1457-71.
  • 6
    Maquirriain J. Posterior ankle impingement syndrome. Journal of American Academy of Orthopaedic Surgeons 2005; 13(6):365-71.
  • 7
    Hebert S, Xavier R, Pardini AG, Barros TEP et al Ortopedia e traumatologia: princípios e prática, 3ª edição. Porto Alegre: Artmed; 2009.
  • 8
    Hamilton WG. Posterior ankle pain in dancers. Clinics in sport medicine 2008; 27:263-77.
  • 9
    Lee JC, Calder JDF, Healy JC. Posterior impingement syndrome of the ankle. Seminars in Musculoskeletal Radiology 2008; 12(2):154-69.
  • Correspondência para:

    Rua Pedro de Toledo, 1.800. Vila Clementino
    São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04039-901
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      15 Abr 2010
    • Aceito
      18 Jan 2011
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