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Estudo dos potenciais evocados auditivos em autismo

Resumos

TEMA: avaliação eletrofisiológica da audição em indivíduos com autismo. OBJETIVO: caracterizar os achados das avaliações eletrofisiológicas da audição em indivíduos com autismo, bem como comparar seus resultados aos obtidos em indivíduos com desenvolvimento típico da mesma faixa etária. MÉTODO: foram realizadas anamnese, audiometria tonal, logoaudiometria, medidas de imitância acústica, potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE) e de média latência (PEAML), e potencial cognitivo (P300), em 16 indivíduos com autismo (grupo pesquisa) e 25 normais (grupo controle), com idades entre oito e 20 anos. RESULTADOS: o grupo pesquisa apresentou resultados alterados em todos os potenciais evocados auditivos, havendo diferença estatisticamente significante quando comparado ao grupo controle. Foi observada uma maior ocorrência de alteração do tipo tronco encefálico baixo no PEATE, do tipo Ambas no PEAML, e ausência de resposta no P300, para o grupo pesquisa. Na análise dos dados quantitativos, verificou-se que apenas para o PEATE ocorreu diferença estatisticamente significante entre os grupos, com relação às latências das ondas III e V e interpicos I-III e I-V. CONCLUSÃO: indivíduos com autismo apresentam alterações no PEATE e P300, sugerindo comprometimento da via auditiva em tronco encefálico, áreas subcorticais e corticais.

Potenciais Evocados Auditivos; Audiometria; Transtorno Autístico; Transtornos Globais do Desenvolvimento Infantil


BACKGROUND: electrophysiological assessment of hearing in autistic individuals. AIM: to characterize the findings obtained in the electrophysiological assessments of autistic individuals, as well as to compare these to the results obtained for individuals of the same age who present typical development. METHOD: 16 individuals with autism (study group) and 25 normal individuals (control group), ranging in age from eight to 20 years underwent anamnesis, pure tone audiometry, speech audiometry, acoustic immitance measures, brainstem auditory evoked potential (BAEP), middle latency response (MLR) and cognitive potential (P300). RESULTS: the study group presented altered results in all auditory evoked potentials, showing statistically significant differences when compared to the control group. Concerning the types of alterations found in the study group the following results were observed: higher occurrence of lower brainstem alteration in the BAEP, both (electrode and ear effects occurring simultaneously) in the MLR, and absence of response in the P300. In the quantitative data analysis, statistically significant differences between the groups were found only for the BAEP regarding the latencies of waves III and V and interpeaks I-III and I-V. CONCLUSION: autistic individuals present altered BAEP and P300, suggesting impairment in the brainstem auditory pathway and corticals / subcorticals areas.

Auditory Evoked Potentials; Audiometry; Autistic Disorder; Pervasive Child Development Disorders


ARTIGO ORIGINAL DE PESQUISA

Estudo dos potenciais evocados auditivos em autismo* * Trabalho Realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP.

Fernanda Cristina Leite MagliaroI, 1 1 Endereço para correspondência: R. Deolinda Rodrigues, 171 - Apto. 44 - Bloco A - São Paulo - SP - CEP 05372-100 ( fcmagliaro@usp.br). ; Claudia Inês ScheuerII; Francisco Baptista Assumpção JúniorIII; Carla Gentile MatasIV

IFonoaudióloga. Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos do Curso de Fonoaudiologia da FMUSP

IIFonoaudióloga. Doutora em Linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Sociais e História da USP. Docente Aposentada do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP

IIIMédico. Professor Livre Docente pelo Departamento de Psiquiatria da FMUSP. Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP

IVFonoaudióloga. Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana pelo Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo. Professora Assistente Doutora do Curso de Fonoaudiologia da USP

RESUMO

TEMA: avaliação eletrofisiológica da audição em indivíduos com autismo.

OBJETIVO: caracterizar os achados das avaliações eletrofisiológicas da audição em indivíduos com autismo, bem como comparar seus resultados aos obtidos em indivíduos com desenvolvimento típico da mesma faixa etária.

MÉTODO: foram realizadas anamnese, audiometria tonal, logoaudiometria, medidas de imitância acústica, potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE) e de média latência (PEAML), e potencial cognitivo (P300), em 16 indivíduos com autismo (grupo pesquisa) e 25 normais (grupo controle), com idades entre oito e 20 anos.

RESULTADOS: o grupo pesquisa apresentou resultados alterados em todos os potenciais evocados auditivos, havendo diferença estatisticamente significante quando comparado ao grupo controle. Foi observada uma maior ocorrência de alteração do tipo tronco encefálico baixo no PEATE, do tipo Ambas no PEAML, e ausência de resposta no P300, para o grupo pesquisa. Na análise dos dados quantitativos, verificou-se que apenas para o PEATE ocorreu diferença estatisticamente significante entre os grupos, com relação às latências das ondas III e V e interpicos I-III e I-V.

CONCLUSÃO: indivíduos com autismo apresentam alterações no PEATE e P300, sugerindo comprometimento da via auditiva em tronco encefálico, áreas subcorticais e corticais.

Palavras-Chave: Potenciais Evocados Auditivos; Audiometria; Transtorno Autístico; Transtornos Globais do Desenvolvimento Infantil.

Introdução

Para o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders)1, o transtorno autista é caracterizado por um desenvolvimento anormal ou prejudicado na interação social e na comunicação. Segundo Ritvo (1976)2, o autismo é um distúrbio do desenvolvimento causado por uma alteração do sistema nervoso central, que pode acarretar distúrbios de percepção, de relacionamento social, entre outros. Pesquisas relatam diversos resultados nos testes eletrofisiológicos da audição em indivíduos com autismo, dentre eles alterações no potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE)3-13 e nos potenciais evocados auditivos de longa latência(PEALL)14-18.

Os potenciais evocados auditivos (PEA) são métodos objetivos utilizados para avaliar a atividade neuroelétrica na via auditiva (do nervo auditivo até córtex cerebral) em resposta a um estímulo acústico19. Podem ser classificados em potenciais evocados auditivos de curta, média, e longa latências20.

Visto que indivíduos com autismo podem apresentar distúrbios perceptuais, de atenção e de memória, e, por vezes, podem ser confundidos com deficientes auditivos, torna-se necessária a identificação de alterações no sistema nervoso auditivo central, por meio de testes objetivos, a fim de proporcionar um diagnóstico preciso e uma intervenção mais eficaz, os quais determinarão um menor prejuízo na qualidade de vida desses indivíduos.

O objetivo deste trabalho foi caracterizar os achados das avaliações eletrofisiológicas da audição em indivíduos com autismo, bem como comparar seus resultados aos obtidos em indivíduos normais.

Método

Esta pesquisa consiste em um estudo transversal, prospectivo, observacional e descritivo, aprovado pela CAPPesq - HCFMUSP (número 237/03). Todos os responsáveis pelos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido anteriormente ao início das avaliações.

Participaram deste estudo 41 indivíduos com idades entre oito e 20 anos, com limiares auditivos normais, divididos em dois grupos: grupo pesquisa (GP) composto por 16 indivíduos (um do gênero feminino e 15 do masculino) com autismo (média de 11,94 anos de idade); e grupo controle (GC) composto por 25 indivíduos (16 do gênero feminino e nove do masculino) em desenvolvimento típico, sem queixas psiquiátricas, neurológicas, de linguagem, audiológicas, e de processamento auditivo (média de 12,16 anos de idade).

Os indivíduos do GP foram selecionados a partir de uma lista de pacientes que estavam em atendimento no Serviço de Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPQ - HC - FMUSP), e no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica (LIF) de Linguagem e Cognição da FMUSP. Os critérios de inclusão específicos para este grupo foram: diagnóstico médico de autismo, autismo infantil, síndrome de Asperger ou autismo de alto-funcionamento conforme os critérios diagnósticos do DSM IV1; ausência de doenças neurológicas; estar em atendimento psiquiátrico e apresentar relacionamento social suficiente para a realização da avaliação audiológica básica.

Procedimentos

Realizou-se a anamnese (entrevista com os pais/responsáveis), e em seguida a avaliação audiológica convencional, composta pelos seguintes procedimentos:

. inspeção visual do meato acústico externo com otoscópio da marca Heine;

. medidas de imitância acústica (timpanometria e pesquisa dos reflexos acústicos ipsilaterais nas frequências de 500, 1000, 2000, 4000Hz, frequência de sonda de 226Hz) com o analisador de orelha média marca Grason-Stadler, modelo GSI-33 (ANSI S3.39-1987);

. audiometria tonal liminar (frequências de 250 a 8000 Hz); limiar de reconhecimento de fala (LRF); e índice percentual de reconhecimento de fala (IPRF)21, com os audiômetros modelos GSI-61 e GSI-68, marca Grason-Stadler, fones de ouvido supra aurais modelo TDH-50 (ANSI S3.6-1989 e IEC-1988), e cabina acústica (ANSI S3.1-1991).

Para a realização de todas as avaliações da audição, foram dadas orientações aos indivíduos sobre sua realização, as quais foram retomadas frequentemente durante as avaliações do GP, a fim de que realizassem as tarefas de forma adequada.

Após a constatação de limiares auditivos normais (limiares menores que 25dB NA para todas as frequências testadas), logoaudiometria e medidas de imitância acústica dentro da normalidade21-22, iniciou-se a avaliação eletrofisiológica da audição com o equipamento modelo Traveler Express (marca Biologic), realizada com o indivíduo sentado em uma poltrona reclinável, em uma sala tratada acústica e eletricamente. As avaliações eletrofisiológicas foram realizadas em condições adequadas, sem utilização de sedação, e aceitando-se como nível máximo de artefatos o valor de 10% do total de estímulos apresentados para cada potencial. A pele (fronte, mastóides e couro cabeludo) foi limpa com pasta abrasiva, e os eletrodos fixados sobre a pele segundo a norma International Electrode System (IES) 10-2023 para cada potencial realizado. Os estímulos acústicos foram apresentados por meio de fones supra-aurais, e os valores de impedância dos eletrodos deveriam situar-se abaixo de 5kOhms. Foram realizados o potencial cognitivo P300, o potencial evocado auditivo de média latência (PEAML) e o PEATE, nesta ordem, a fim de garantir a atenção do indivíduo para os dois primeiros testes.

Para a realização do P300 utilizou-se o estímulo tone-burst, apresentado monoauralmente a 75dB nHL, em uma velocidade de apresentação de 1,1 estímulos por segundo, totalizando 300 estímulos. O estímulo frequente (80%) foi apresentado a 1000 Hz e o raro (20%) a 1500Hz. O indivíduo foi orientado a manter sua atenção no estímulo raro, que aparecia aleatoriamente dentro de uma série de estímulos frequentes, e solicitado a contar, em voz alta, o número de vezes que o estímulo raro ocorreu. Foi realizado um breve treino antes do início do exame, para garantir o entendimento da prova. Para a análise deste potencial, considerou-se a latência da onda P300.

Para a realização do PEAML, utilizou-se o estímulo acústico clique, apresentado monoauralmente a 70dB nHL, numa velocidade de apresentação de 9,9 cliques por segundo, totalizando 1000 estímulos. Foram analisadas as amplitudes Na-Pa nas diversas modalidades estudadas (C3/A1, C3/A2, C4/A1, C4/A2).

Para a realização do PEATE utilizou-se o estímulo acústico clique com polaridade rarefeita, apresentado monoauralmente a 80dB nHL, numa velocidade de apresentação de 19,0 estímulos por segundo, com duração de 0,1 ms, totalizando 2000 estímulos. Foram analisadas as latências das ondas I, III, e V, e interpicos I-III, III-V, e I-V, utilizando-se, como padrão de normalidade, os valores do Quadro 1.


Classificação dos dados

Para o PEATE, foram identificadas e analisadas as latências das ondas I, III, V e interpicos I-III, III-V, I-V em cada orelha, sendo o indivíduo classificado como normal ou alterado com base nos valores de normalidade do Quadro 1. As alterações foram classificadas em: tronco encefálico baixo (TEB), tronco encefálico alto (TEA) ou ambas (ocorrência das duas primeiras concomitantemente).

No PEAML foram identificadas as ondas Na e Pa e analisadas as amplitudes Na-Pa nas modalidades C3/A1, C3/A2, C4/A1, C4/A2, comparando-as duas a duas, sendo necessário apresentar uma diferença menor ou igual a 50% entre as amplitudes obtidas, em cada comparação, para indicar normalidade24. As alterações encontradas foram classificadas em: efeito orelha (EO), efeito eletrodo (EE) ou ambas (ocorrência de EO e EE no mesmo indivíduo).

Foi identificada e analisada a latência da onda P300 no traçado correspondente ao estímulo raro, em cada orelha, sendo o indivíduo classificado como normal ou alterado, com base nos valores de normalidade propostos pela literatura25, para cada faixa etária. As alterações encontradas foram classificadas em: atraso, ausente ou ambas (atraso e ausente no mesmo indivíduo).

O indivíduo foi considerado alterado quando pelo menos uma das orelhas, ou um dos lados, apresentasse alteração.

Realizou-se a análise dos dados qualitativos por meio da comparação dos resultados normais e alterados, intra-grupo e inter-grupos, para todos os PEA, sendo comparados os tipos de alterações encontrados. Para tanto, utilizou-se o teste de igualdade de duas proporções, e o intervalo de confiança para proporção.

Realizou-se, também, a análise dos dados quantitativos por meio da média, mediana, desvio padrão, limite inferior, limite superior, máximo e mínimo dos resultados de cada PEA, para cada grupo. Foram comparadas as médias entre os grupos e verificados seus níveis de significância. Adotou-se como nível de significância o valor de 0,05 (5%). Para tanto, os testes ANOVA e intervalo de confiança para a média foram realizados.

Resultados

PEATE

Na comparação das latências absolutas das ondas I, III, e V e interpicos I-III, III-V, e I-V entre as orelhas direita e esquerda, não foi observada diferença estatisticamente significante, tanto no GP quanto no GC. Sendo assim, agrupamos as orelhas direita e esquerda, para cada grupo, e comparamos os valores médios de latências e interpicos entre os grupos.

Houve diferença estatisticamente significante entre o GC e o GP para as latências das ondas III e V, e interpicos I-III e I-V (análise dos dados quantitativos) (Tabela 1), bem como para o resultado alterado (análise dos dados qualitativos) (Tabela 2).

No GP, a alteração mais frequente foi do tipo TEB (83,3%), considerada estatisticamente significante com relação aos tipos TEA (0%), e ambas (16,7%).

PEAML

Foram comparadas as amplitudes Na-Pa do PEAML (análise dos dados quantitativos), entre as modalidades (C3/A1, C3/A2, C4/A1, C4/A2), sendo que não foi observada diferença estatisticamente significante, tanto na comparação intra-grupo como inter-grupos.

Quando comparamos os resultados normais e alterados (análise dos dados qualitativos) inter-grupos, verificamos que houve diferença estatisticamente significante (Tabela 2). No GC, encontramos que a alteração mais frequente foi do tipo ambas (75,0%), sendo considerada estatisticamente significante em relação aos demais tipos (EO - 6,3% e EE - 18,8%). Para o GP, embora o tipo ambas (60,0%) também tenha apresentado a maior ocorrência, esta foi estatisticamente significante apenas em relação ao EE (0%).

P300

Não houve diferença estatisticamente significante entre as orelhas direita e esquerda para a latência da onda P300, tanto no GC quanto no GP. Desta forma, agruparam-se as orelhas para cada grupo, e na comparação inter-grupo, não ocorreu diferença significante entre o GC e o GP (análise dos dados quantitativos).

Houve diferença estatisticamente significante entre o GC e o GP para o resultado alterado do P300 (análise dos dados qualitativos) (Tabela 2). No GP, a ausência de resposta (60,0%) foi o tipo de alteração predominante, sendo estatisticamente significante apenas em relação ao tipo ambas (0%).

Discussão

PEATE

A Tabela 1 mostrou que houve aumento das latências absolutas das ondas III e V e dos interpicos I-III e I-V no GP, quando comparado ao GC. Estes resultados concordaram com os trabalhos que verificaram aumento nas latências das ondas III3 e V6,12 e dos interpicos I-III11 e I-V4,9,12 do PEATE em indivíduos autistas.

Na Tabela 2, verificou-se que o GP apresentou resultados alterados, concordando com a pesquisa que indicou disfunção em tronco encefálico em indivíduos autistas6. Para o GP, a alteração do tipo TEB foi a mais frequente. Sendo assim, os resultados acima descritos sugerem que indivíduos autistas apresentam um atraso na condução do estímulo acústico nas regiões do tronco encefálico baixo3-5,7,9,11.

Resultados similares ao do presente estudo foram constatados por uma pesquisa, na qual mais da metade (58,4%) dos indivíduos autistas com audição normal apresentaram anormalidades no PEATE, dentre elas o atraso da onda V, e o prolongamento do interpico I-V. Desta forma, os autores concluíram que essas alterações podem ser decorrentes de disfunção da via auditiva em tronco encefálico, ou ainda do envolvimento do sistema coclear eferente 10.

PEAML

Na Tabela 2, verificou-se que o GC apresentou mais resultados alterados do que o GP. Visto que o PEAML é útil clinicamente na avaliação dos distúrbios do processamento auditivo (PA)26-27, podemos levantar a hipótese de que os indivíduos do GC poderiam apresentar alterações de PA, as quais justificariam os resultados encontrados.

Indivíduos autistas apresentam, como características comportamentais, distúrbios de percepção, do desenvolvimento, de relacionamento social, da fala e linguagem2, as quais podem estar relacionadas com alterações de PA. Sendo assim, as alterações encontradas no PEAML, provavelmente refletiram dificuldades no PA da informação nas vias auditivas subcorticais e corticais.

P300

A Tabela 2 mostrou que o GP apresentou resultados alterados no P300, sendo que a ausência de resposta (AR) foi a alteração mais frequente, seguida do atraso de latência (AL). Estes achados sugerem que as alterações encontradas no P300 em indivíduos autistas refletem suas dificuldades cognitivas e atencionais, pois o AL desta onda indica a existência de um possível déficit no processamento cognitivo28. O P300 é gerado satisfatoriamente desde que o indivíduo seja capaz de focalizar sua atenção nos estímulos raros29, portanto, verificamos que os autistas apresentaram dificuldade em focalizar a atenção nos estímulos raros, confirmando o déficit atencional desta população.

A literatura relata uma diminuição dos componentes P200 e P300 em autistas, indicando que esta população apresenta anormalidades nos aspectos centrais do PA (envolvendo o registro e armazenamento da informação auditiva)14.

Conclusão

Frente aos resultados obtidos, pode-se concluir que indivíduos com autismo apresentam: alterações no PEATE sugerindo comprometimento da via auditiva em tronco encefálico (regiões do núcleo coclear e lemnisco lateral), alteração de sincronia na geração dos impulsos neuroelétricos desta região, e/ou ainda alterações estruturais e/ou funcionais que interferem na transmissão do estímulo acústico ao longo da via auditiva; alterações no P300, sugerindo comprometimento da via auditiva em regiões corticais, déficit no processamento cognitivo, de atenção, de discriminação auditiva ou, ainda, de memória.

Tornam-se necessários mais estudos que avaliem a via auditiva central de indivíduos autistas para uma melhor caracterização dos achados eletrofisiológicos desta população.

Recebido em 30.04.2009.

Revisado em 19.10.2009; 18.12.2009; 23.12.2009.

Aceito para Publicação em 01.02.2010.

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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    Trabalho Realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP.
  • 1
    Endereço para correspondência: R. Deolinda Rodrigues, 171 - Apto. 44 - Bloco A - São Paulo - SP - CEP 05372-100 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Aceito
      01 Fev 2010
    • Revisado
      23 Dez 2009
    • Recebido
      30 Abr 2009
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