Acessibilidade / Reportar erro

Qualidade de vida em portadores de doença falciforme

Calidad de vida en portadores de enfermedad falciforme

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde de crianças e adolescentes com doença falciforme assistidas em um hemocentro de referência e mensurar a qualidade de vida relacionada à saúde dos respectivos familiares. MÉTODOS: Estudo transversal e seccional com 100 pacientes portadores de doença falciforme, divididos em três subgrupos conforme a faixa etária: de 5 a 7 (n=18), de 8 a 12 (n=32) e de 13 a 18 anos (n=50) e com seus respectivos pais. O Grupo Controle foi composto por 50 crianças e adolescentes saudáveis de uma escola pública local, também divididos nos três subgrupos de idade e seus respectivos cuidadores. Foi aplicado o questionário genérico "Pediatric Quality of Life Inventory" (PedsQL), versão 4.0, em ambos os grupos. Aos familiares foi aplicado o questionário genérico Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey (SF-36). As respostas obtidas foram linearmente transformadas em um escore e comparadas com o auxílio de testes não paramétricos. RESULTADOS: Os escores dos pacientes no PedsQL foram inferiores àqueles do Grupo Controle (p<0,0001) nos aspectos estudados (capacidades física, emocional, social e atividade escolar). Da mesma forma, os escores do SF-36 aplicados aos pais dos pacientes foram mais baixos que os de pais do Grupo Controle em todos os aspectos estudados (p<0,0001). CONCLUSÕES: A doença falciforme compromete a qualidade de vida das crianças, dos adolescentes e de suas respectivas famílias. Os pacientes percebem restrições nos aspectos emocional, social, familiar e físico, dentre outros.

qualidade de vida; anemia falciforme; crianças; adolescentes


OBJETIVO: Evaluar la calidad de vida relacionada a la salud en niños y adolescentes con enfermedad falciforme asistidas en un servicio de hemoterapia de referencia y medir la calidad de vida relacionada a la salud de los respectivos familiares. MÉTODOS: Estudio transversal y seccional en 100 pacientes portadores de enfermedad falciforme, divididos en tres subgrupos conforme a la franja de edad: de 5 a 7 (n=18), de 8 a 12 (n=32) y de 13 a 18 (n=50) años con sus respectivos padres. El Grupo Control fue compuesto por 50 niños y adolescentes sanos de una escuela pública local, también divididos en los mismos tres subgrupos de edad y sus respectivos cuidadores. Se aplicó el cuestionario genérico «Pediatric Quality of Life Inventory» (PedsQL), versión 4.0, a ambos grupos. A los familiares se aplicó el cuestionario genérico Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey (SF-36). Las respuestas obtenidas fueron linealmente transformadas en un escore y comparadas con la ayuda de pruebas no paramétricas. RESULTADOS: Los escores de los pacientes en el PedsQL fueron inferiores a aquellos del Grupo Control (p<0,0001) en los aspectos estudiados (capacidades física, emocional, social y actividad escolar). Del mismo modo, los escores del SF-36 aplicados a los padres de los pacientes fueron más bajos que los de padres del Grupo Control en todos los aspectos estudiados (p<0,0001). CONCLUSIONES: La enfermedad falciforme compromete la calidad de vida de los niños, de los adolescentes y de sus respectivas familias. Los pacientes perciben restricciones en los aspectos emocional, social, familiar y físico, entre otros.

calidad de vida; anemia falciforme; niños; adolescentes


OBJECTIVE: To evaluate the quality of life in children and adolescents with sickle cell disease attending a blood reference center, and to assess the quality of life of their relatives. METHODS: Cross-sectional study that included 100 patients with sickle cell disease, which were divided into three subgroups according to age: 5 to 7 (n=18), 8 to 12 (n=32), and 13 to 18 years-old (n=50), and their parents. The Control Group included 50 healthy children and adolescents from a public local school, also divided into the same three age subgroups and their caregivers. The Pediatric Quality of life Inventory (PedsQL), version 4.0, was applied in both groups. The generic questionnaire Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey (SF-36) was applied to the relatives. The answers were linearly transformed into a score and compared by non-parametric tests. RESULTS: The PedsQL scores of patients were significantly lower than those obtained in the Control Group (p<0.0001) in all studied areas (physical, emotional, social skills, and school activities). Similarly, SF-36 scores applied to the patients' parents were lower than those obtained in the Control Group in all studied aspects (p<0.0001). CONCLUSIONS: Sickle cell disease affects the quality of life of children, adolescents, and their families. Patients sense restrictions in the emotional, social, family and physical aspects, among others.

quality of life; anemia, sickle cell; children; adolescents


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida em portadores de doença falciforme

Calidad de vida en portadores de enfermedad falciforme

Adeline Soraya de O. da P. MenezesI; Cláudio Arnaldo LenII; Maria Odete E. HilárioIII; Maria Teresa R. A. TerreriIV; Josefina Aparecida P. BragaIV

Instituição: Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

IMestre em Ciências pela EPM da Unifesp, São Paulo, SP, Brasil

IILivre-Docente em Pediatria pela Unifesp; Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da EPM, Unifesp, São Paulo, SP, Brasil

IIILivre-Docente em Pediatria pela Unifesp; Professora-Associada do Departamento de Pediatria da EPM, Unifesp, São Paulo, SP, Brasil

IVDoutora em Pediatria pela Unifesp; Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da EPM, Unifesp, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Claudio Arnaldo Len Rua dos Otonis, 725 CEP 0402-002 - São Paulo/SP E-mail: claudiolen@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde de crianças e adolescentes com doença falciforme assistidas em um hemocentro de referência e mensurar a qualidade de vida relacionada à saúde dos respectivos familiares.

MÉTODOS: Estudo transversal e seccional com 100 pacientes portadores de doença falciforme, divididos em três subgrupos conforme a faixa etária: de 5 a 7 (n=18), de 8 a 12 (n=32) e de 13 a 18 anos (n=50) e com seus respectivos pais. O Grupo Controle foi composto por 50 crianças e adolescentes saudáveis de uma escola pública local, também divididos nos três subgrupos de idade e seus respectivos cuidadores. Foi aplicado o questionário genérico "Pediatric Quality of Life Inventory" (PedsQL), versão 4.0, em ambos os grupos. Aos familiares foi aplicado o questionário genérico Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey (SF-36). As respostas obtidas foram linearmente transformadas em um escore e comparadas com o auxílio de testes não paramétricos.

RESULTADOS: Os escores dos pacientes no PedsQL foram inferiores àqueles do Grupo Controle (p<0,0001) nos aspectos estudados (capacidades física, emocional, social e atividade escolar). Da mesma forma, os escores do SF-36 aplicados aos pais dos pacientes foram mais baixos que os de pais do Grupo Controle em todos os aspectos estudados (p<0,0001).

CONCLUSÕES: A doença falciforme compromete a qualidade de vida das crianças, dos adolescentes e de suas respectivas famílias. Os pacientes percebem restrições nos aspectos emocional, social, familiar e físico, dentre outros.

Palavras-chave: qualidade de vida; anemia falciforme; crianças; adolescentes.

RESUMEN

OBJETIVO: Evaluar la calidad de vida relacionada a la salud en niños y adolescentes con enfermedad falciforme asistidas en un servicio de hemoterapia de referencia y medir la calidad de vida relacionada a la salud de los respectivos familiares.

MÉTODOS: Estudio transversal y seccional en 100 pacientes portadores de enfermedad falciforme, divididos en tres subgrupos conforme a la franja de edad: de 5 a 7 (n=18), de 8 a 12 (n=32) y de 13 a 18 (n=50) años con sus respectivos padres. El Grupo Control fue compuesto por 50 niños y adolescentes sanos de una escuela pública local, también divididos en los mismos tres subgrupos de edad y sus respectivos cuidadores. Se aplicó el cuestionario genérico «Pediatric Quality of Life Inventory» (PedsQL), versión 4.0, a ambos grupos. A los familiares se aplicó el cuestionario genérico Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey (SF-36). Las respuestas obtenidas fueron linealmente transformadas en un escore y comparadas con la ayuda de pruebas no paramétricas.

RESULTADOS: Los escores de los pacientes en el PedsQL fueron inferiores a aquellos del Grupo Control (p<0,0001) en los aspectos estudiados (capacidades física, emocional, social y actividad escolar). Del mismo modo, los escores del SF-36 aplicados a los padres de los pacientes fueron más bajos que los de padres del Grupo Control en todos los aspectos estudiados (p<0,0001).

CONCLUSIONES: La enfermedad falciforme compromete la calidad de vida de los niños, de los adolescentes y de sus respectivas familias. Los pacientes perciben restricciones en los aspectos emocional, social, familiar y físico, entre otros.

Palabras clave: calidad de vida; anemia falciforme; niños; adolescentes.

Introdução

A anemia falciforme é hemolítica hereditária e crônica, resultante de uma mutação na qual ocorre a substituição do aminoácido glutâmico pela valina no códon 6 do gene da cadeia β da hemoglobina, levando à formação da hemoglobina S. Este defeito básico é o principal responsável pelas diversas manifestações clínicas de tal enfermidade(1). A doença falciforme (DF) é a combinação da hemoglobina S (HbS) com outra hemoglobinopatia (por exemplo, hemoglobina C - HbC), betatalassemia, HbS, entre outras, caracterizando a hemoglobinopatia HbSC, a HbS betatalassemia e a homozigose para hemoglobina S (HbSS)(2,3). A anemia falciforme é a forma mais grave da doença falciforme. No Brasil, devido à prevalência elevada, é considerada um problema de Saúde Pública(4).

A DF apresenta elevada morbidade e mortalidade. Caracteriza-se por apresentar manifestações clínicas agudas (crise vaso-oclusiva dolorosa, sequestro esplênico e síndrome torácica aguda), que levam o paciente a procurar os serviços de emergência com frequência, e também por manifestações crônicas, uma vez que afeta os órgãos e sistemas. A melhora da sobrevida e da qualidade de vida desses pacientes baseia-se em medidas gerais e preventivas(5). Várias mudanças ocorrem na vida do paciente com doença falciforme, levando-o a se deparar com limitações, frustrações e perdas, sendo necessária a adaptação a um novo estilo de vida devido ao uso de medicamentos, às internações hospitalares e à perda da capacidade de trabalho. Em virtude dessas manifestações, também pode haver um impacto variável na qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS)(6-8).

A QVRS é um constructo composto por elementos de diferentes naturezas (biológicos, sociorrelacionais, psicológicos e de autonomia funcional) que se conjugam para que o sujeito avalie o quanto sua vida tem mais ou menos qualidade(9,10). Nas últimas décadas, vários instrumentos foram desenvolvidos com o objetivo de mensurar a qualidade de vida na faixa etária pediátrica(11). Entre eles destaca-se o Pediatric Quality of Life Inventory (PedsQL), versão 4.0, capaz de aferir a qualidade de vida de crianças saudáveis e com doenças crônicas. Recentemente, este questionário foi traduzido e validado para a cultura brasileira(12). Já o questionário Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey (SF-36) é um instrumento genérico para avaliação de qualidade de vida, de fácil administração e compreensão.

Dessa forma, os objetivos do presente estudo foram: mensurar a QVRS em crianças e adolescentes com DF atendidos em um hemocentro de referência, comparados com um Grupo Controle de mesma faixa etária, além de mensurar a QVRS dos respectivos familiares, por meio da aplicação dos questionários SF-36 e PedsQL.

Método

O presente estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), e do Hemocentro de Alagoas (HEMOAL). Os pacientes e seus cuidadores foram informados sobre o protocolo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) na presença da pesquisadora, assim como os pais ou responsáveis pelas crianças do Grupo Controle.

O desenho do estudo foi seccional transversal, com amostra de conveniência. O estudo foi realizado no período de março a dezembro de 2009. Dos 495 pacientes com DF (detectados pela eletroforese de hemoglobina) cadastrados no hemocentro, foram incluídos apenas aqueles na faixa etária de 5 a 18 anos. Por meio do banco de dados, foi possível verificar que havia 162 pacientes cadastrados no HEMOAL na faixa etária estudada. Os pacientes e seus respectivos pais foram convocados pela pesquisadora para comparecer ao HEMOAL, onde eram realizadas as reuniões explicativas da pesquisa e onde foi solicitada a assinatura do TCLE. Os critérios de exclusão empregados para os participantes foram: presença de comorbidades físicas (acidente vascular cerebral, osteonecrose asséptica da cabeça do fêmur e doença pulmonar) e/ou mentais (atraso do desenvolvimento cognitivo e distúrbios psíquicos) e ausência do pai ou mãe na consulta. Os critérios de exclusão dos pais dos pacientes incluíram presença de doenças crônicas ou agudas (nos últimos 30 dias) antes da entrevista. Dessa forma, ao término da pesquisa foram incluídos no estudo 100 pacientes.

O Grupo Controle foi composto por 50 crianças e adolescentes saudáveis de uma escola pública da periferia de Maceió, de igual nível socioeconômico em relação aos pacientes, também divididos nos mesmos três subgrupos de idade e seus respectivos cuidadores.

A qualidade de vida foi mensurada por meio dos questionários SF-36 e PedsQL, de acordo com três etapas.

Etapa 1

Aplicação do questionário genérico PedsQL(13) aos pacientes, versão traduzida para o idioma português e para a cultura brasileira. Este questionário possui versões para quatro faixas etárias: 2 - 4, 5 - 7, 8 - 12 e 13 - 18 anos. Seus domínios avaliam problemas com a capacidade física, os aspectos emocional e social e a atividade escolar. Os itens são escore-reverso e linearmente transformados para uma escala de 0 a 100 (0=100, 1=75, 2=50 e 4=0), de tal forma que altos escores indicam melhor qualidade de vida(13). Na administração do PedsQL 4.0 perguntou-se o quanto de cada problema a criança apresentou no último mês. Nos relatos das crianças, para as idades de 5 a 18 anos e seus respectivos pais, uma escala de resposta de cinco pontos foi utilizada (0=nunca é um problema; 1=quase nunca é um problema; 2=algumas vezes é um problema; 3=frequentemente é um problema e 4=quase sempre é um problema). Para crianças de cinco a sete anos a escala foi simplificada para três pontos (1=nunca é um problema; 2=às vezes é um problema; 3=muitas vezes é um problema), sendo cada resposta ancorada em uma escala analógica visual com faces alegre, neutra e triste, respectivamente.

Etapa 2

Aplicação do questionário genérico SF-36, versão traduzida para o idioma português e adaptada para a cultura brasileira(14), para avaliar o impacto da doença nos pais ou mães dos pacientes. O SF-36 é um questionário multidimensional formado por 36 itens englobados em oito escalas ou componentes: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais e emocionais e saúde mental. Apresenta um escore final de 0 a 100, no qual 0 corresponde ao pior estado geral de saúde, e 100, ao melhor(14). A versão do presente instrumento é composta de oito domínios agrupados em dois componentes: físico e mental. A avaliação de cada item é feita pelo método de pontos somados (de Likert), com valores que variam de 0 a 100 pontos. Os maiores escores correspondem a uma melhor qualidade de vida. Os escores são obtidos por pontuações dos itens de cada domínio, assim como aqueles dos componentes derivam dos domínios a eles relacionados.

Etapa 3

Aplicação dos questionários no Grupo Controle composto por 50 crianças e adolescentes (5 a 18 anos) e seus respectivos cuidadores, após autorização da direção geral da escola.

Para a análise estatística, utilizou-se inicialmente o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov, constatando-se que os escores dos domínios não seguiam uma distribuição normal de probabilidades. Por isso, para comparar os valores dos domínios foi aplicado o teste não paramétrico de Mann-Whitney. A análise estatística foi realizada com a versão do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 13.0.

Resultados

O grupo de pacientes foi constituído por 64 meninas e 36 meninos, sendo que 18 tinham idades entre cinco e sete anos; 32, entre 8 e 12 anos; e 50, entre 13 e 18 anos. O Grupo Controle incluiu 31 meninas e 19 meninos, sendo que 11 tinham idades entre cinco e sete anos; 19, entre 8 e 12 anos; e 20, entre 13 e 18 anos.

Os escores do PedsQL 4.0 para pacientes e controle estão apresentados na Tabela 1. As classificações dos pacientes, em todos os aspectos, foram significativamente menores do que os escores do Controle (p<0,0001).

A mensuração da QVRS dos pais encontra-se na Tabela 2. Os escores dos pais, em todos os aspectos, foram significantemente menores que os do Controle (p<0,0001).

Discussão

No presente estudo observou-se que a DF está relacionada a limitações nos diversos aspectos da QVRS, com destaque para os físicos, sociais, emocionais e escolares. Os escores do PedsQL 4.0 mostraram-se diminuídos em todos estes aspectos, quando comparados a crianças e adolescentes normais da mesma faixa etária.

O impacto negativo encontrado no presente estudo, especialmente no aspecto físico, está associado com a dor relacionada à DF e à sobrecarga imposta pelo cuidado e atenção direcionados à criança e ao adolescente doentes(15). A dor é a complicação de maior impacto na QVRS dos pacientes com DF e seus familiares, apesar de sua intensidade ser variável e depender das características individuais de cada paciente, dos contextos familiar e cultural, bem como da equipe multiprofissional responsável pela assistência(6,16).

A repercussão negativa nos domínios e no componente mental pode ser decorrente da excessiva preocupação dos cuidadores com a saúde do paciente, da dificuldade em lidar com as manifestações da doença e das possíveis mudanças na rotina familiar impostas pelo tratamento médico e procedimentos hospitalares frequentes. Esses achados sinalizam para que os profissionais de saúde tenham uma visão global dos pacientes e cuidadores, de forma que os mesmos promovam estratégias com potencial de melhorar as condições de bem-estar e saúde(17,18).

A situação de uma doença crônica na infância gera a necessidade de maior participação dos pais nos cuidados dispensados à criança e de adaptações a novas situações ao longo do tempo(19). Mesmo para os indivíduos saudáveis, ocorrem mudanças em suas expectativas e na sensação de bem-estar ao longo da vida, sendo observada uma menor satisfação dos adolescentes nas suas relações familiares em comparação com as crianças(20).

Palermo et al(21) demonstraram maior comprometimento na saúde física de adolescentes com DF em comparação com crianças, ao avaliar a QVRS de crianças/adolescentes pela perspectiva dos pais. Todavia, Panepinto et al(22) não observaram diferença significativa na QVRS ao comparar os escores obtidos por crianças e por adolescentes com doença falciforme, tanto no domínio físico quanto no psicossocial.

De acordo com Silver et al(23) e Sloper(24), a situação de uma doença crônica na infância envolve riscos de problemas psicológicos e psicossociais nos pais e familiares ao longo dos anos. No estudo de Moskowitz et al(25), mães de crianças com DF apresentaram maior risco de depressão do que as mães de crianças saudáveis. Os cuidadores de pacientes com DF comumente vivenciam sentimentos de culpa, ansiedade e depressão, vinculados com a hereditariedade da doença, o acompanhamento médico e as demandas sociais e financeiras impostas pela presença de uma doença crônica. Com isso, o bem-estar do próprio cuidador pode estar comprometido, especialmente no constructo mental. Esses resultados reforçam a necessidade de maior atenção e promoção à saúde mental desses indivíduos(17,18,26). É importante ressaltar que os aspectos socioeconômicos influenciam na qualidade de vida dos pacientes(27) com doença falciforme, fato este apontado no estudo de Felix et al (28), realizado em Uberaba, Minas Gerais.

É reconhecido que as características relacionadas às condições de vida são fatores associados à qualidade de vida, o que poderia influenciar nos resultados obtidos; entretanto, o Grupo Controle apresentava os mesmos aspectos socioeconômicos, o que minimiza seu impacto.

Cabe ressaltar que, no grupo de pacientes com doença falciforme, o tempo limitado para realização da pesquisa não permitiu que a mesma fosse aplicada naqueles que frequentavam o HEMOAL. Além disso, a não inclusão dos pacientes faltosos às consultas nesse período pode ter influenciado nos resultados; os pacientes podem ter faltado por estarem internados ou porque estavam bem e decidiram não comparecer à consulta ou por abandono de seguimento. Ainda, o número de crises álgicas e de transfusões realizadas nos últimos 12 meses nas crianças e nos adolescentes, fatores diretamente relacionados com a qualidade de vida, não foram computados na análise, devido ao fato de que essas informações não foram obtidas com os pais ou familiares dos pacientes e nem constavam nos prontuários, já que não eram realizadas no HEMOAL.

As crianças e os adolescentes com DF são indivíduos expostos a diversos fatores potencialmente determinantes de uma diminuição da qualidade de vida, seja no campo físico ou no psicossocial. Esforços educativos dirigidos a profissionais da saúde e a familiares de pacientes com DF devem ser incrementados para identificar os problemas relacionados à saúde desses indivíduos. Dessa forma, ferramentas capazes de detectar algum tipo de risco, como o PedsQL 4.0, são imprescindíveis para que os profissionais envolvidos com esta população possam estar instrumentados e intervir de maneira precisa em um ou mais aspectos.

O ato de cuidar demanda sobrecarga de atenção e cuidados intensos e, por ser a família o executor principal desse papel, é de grande importância que a equipe de saúde garanta condições aos pais de se reestruturarem física e emocionalmente diante dessa nova fase de responsabilidades. Os cuidadores são os principais aliados dos profissionais de saúde no tratamento dos pacientes.

Os achados da pesquisa confirmaram a necessidade de uma avaliação mais detalhada da QVRS de pacientes com anemia falciforme. Os resultados deste estudo mostraram diferenças significativas entre os grupos estudados, o que reforça a necessidade de programas de prevenção e tratamento multiprofissionais.

Recebido em: 13/3/2012

Aprovado em: 10/9/2012

Conflito de interesse: nada a declarar

  • 1. Steinberg MH. Pathophysiologically based drug treatment of sickle cell disease. Trends Pharmacol Sci 2006;27:204-10.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária [homepage on the Internet]. Manual de diagnósticos e tratamento de doenças falciformes. Brasília: ANVISA, 2002 [cited 2012 Nov 20]. Available from: http://www.anvisa.gov.br
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada [homepage on the Internet]. Manual da anemia falciforme para a população. [Série A. Normas e Manuais Técnicos]. Brasília: Ministério da Saúde, 2007 [cited 2012 Nov 20]. Available from: http://www.saude.gov.br/editora
  • 4. Cançado RD, Jesus JA. Sickle cell disease in Brazil. 2007;29:203-6.
  • 5. Braga JA. General measures in the treatment of sickle cell disease. Rev Bras Hematol Hemoter 2007;29:233-8.
  • 6. Tostes MA, Braga JA, Len CA, Hilário MO. Avaliação de dor em crianças e adolescentes portadores de doença falciforme. Rev Cienc Med (Campinas) 2008;17:141-7.
  • 7. Pereira SA, Cardoso CS, Brener S, Proietti AB. Sickle cell disease and quality of life: a study on the subjective perception of patients from the Fundação Hemominas, Minas Gerais, Brazil. Rev Bras Hematol Hemoter 2008;30:411-6.
  • 8. Brandow AM, Brousseau DC, Pajewski NM, Panepinto JA. Vaso-occlusive painful events in sickle cell disease: impact on child well-being. Pediatr Blood Cancer 2010;54:92-7.
  • 9. Seidl EM, Zannon CM. Quality of life and health: conceptual and methodological issues. Cad Saude Publica 2004;20:580-8.
  • 10. Minayo MC, Hartz ZM, Buss PM. Quality of life and health: a necessary debate. Cienc Saude Colet 2000;5:7-18.
  • 11. Savoia MG. Instrumentos para avaliação de eventos vitais e de estratégias de enfrentamento (coping) em situações de estresse. In: Gorenstein C, Andrade LH, Zuardi AW, editors. Escalas de avaliação clínica em psiquiatria e psicofarmacologia. São Paulo: Lemos; 2000, p. 377-85.
  • 12. Klatchoian DA, Len CA, Terreri MT, Silva CM, Itamoto C, Ciconelli RM et al Quality of life of children and adolescents from São Paulo: reliability and validity of the Brazilian version of the pediatric quality of life inventoryTM version 4.0 generic core scales. J Pediatr (Rio J) 2008;84:308-15.
  • 13. Varni JW, Seid M, Rode CA. The PedsQL: measurement model for the pediatric quality of life inventory. Med Care 1999;37:126-39.
  • 14. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Brazilian-Portuguese version of the SF-36. A reliable and valid quality of life outcome measure. Rev Bras Reumatol 1999;39:143-50.
  • 15. McGrath PJ, Finley GA. A Medição da dor. In: Nestlé, editor. A dor na infância. São Paulo: Nestlé; 2000. p. 14-22.
  • 16. Shapiro BS, Dinges DF, Orne EC, Bauer N, Reilly LB, Whitehouse WG et al. Home management of sickle cell-related pain in children and adolescents: natural history and impact on school attendance. Pain 1995;61:139-44.
  • 17. Castro EK, Piccinini CA. A experiência de maternidade de mães de crianças com e sem doença crônica no segundo ano de vida. Estud Psicol (Natal) 2004;9:89-99.
  • 18. Sales E. Family burden and quality of life. Qual Life Res 2003;12 (Suppl 1):33-41.
  • 19. Goldbeck L. The impact of newly diagnosed chronic paediatric conditions on parental quality of life. Qual Life Res 2006;15:1121-31.
  • 20. Goldbeck L, Schmitz TG, Besier T, Herschbach P, Henrich G. Life satisfaction decreases during adolescence. Qual Life Res 2007;16:969-79.
  • 21. Palermo TM, Schwartz L, Drotar D, McGowan K. Parental report of health-related quality of life in children with sickle cell disease. J Behav Med 2002;25:269-83.
  • 22. Panepinto JA, O'Mahar KM, DeBaun MR, Loberiza FR, Scott JP. Health-related quality of life in children with sickle cell disease: child and parent perception. Br J Haematol 2005;130:437-44.
  • 23. Silver EJ, Westbrook LE, Stein RE. Relationship of parental psychological distress to consequences of chronic health conditions in children. J Pediatr Psychol 1998;23:5-15.
  • 24. Sloper P. Predictors of distress in parents of children with cancer: a prospective study. J Pediatr Psychol 2000;25:79-91.
  • 25. Moskowitz JT, Butensky E, Harmatz P, Vichinsky E, Heyman MB, Acree M et al Caregiving time in sickle cell disease: psychological effects in maternal caregivers. Pediatr Blood Cancer 2007;48:64-71.
  • 26. Olley LB, Brieger WR, Olley BO. Perceived stress factors and coping mechanisms among mothers of children with sickle cell disease in western Nigeria. Health Educ Res 1997;12:161-70.
  • 27. Panepinto JA, Pajewski NM, Foerster LM, Sabnis S, Hoffmann RG. Impact of family income and sickle cell disease on the health-related quality of life of children. Qual Life Res 2009;18:5-13.
  • 28. Felix AA, Souza HM, Ribeiro SB. Epidemiologic and social aspects of sickle cell disease. Rev Bras Hematol Hemoter 2010;32:203-8.
  • Endereço para correspondência:
    Claudio Arnaldo Len
    Rua dos Otonis, 725
    CEP 0402-002 - São Paulo/SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      13 Mar 2012
    • Aceito
      10 Set 2012
    Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rpp@spsp.org.br