Acessibilidade / Reportar erro

Validação para o português do "International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form" (ICIQ-SF)

Resumos

OBJETIVO: Traduzir e validar para a língua portuguesa o questionário de qualidade de vida condição-específico denominado International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF) em pacientes com incontinência urinária. MÉTODOS: Duas traduções independentes do ICIQ-SF foram feitas por brasileiros, fluentes na língua inglesa. Após harmonização das mesmas, a tradução resultante foi retrotraduzida independentemente por dois nativos de países de língua inglesa. As diferenças foram harmonizadas e pré-testadas em um estudo piloto. A versão final do ICIQ-SF para o português, bem como a versão em português do King's Health Questionnaire (KHQ) foram aplicadas simultaneamente em 123 pacientes consecutivos com queixa de incontinência urinária (29 homens e 94 mulheres) que procuraram o laboratório de uroginecologia e o serviço de urodinâmica de um hospital universitário, localizado em Campinas. Foram testadas as propriedades psicométricas do questionário, como confiabilidade e validade de constructo. RESULTADOS: A idade mediana foi de 53 anos (intervalo de 16 a 86 anos). O período médio de reteste para o ICIQ-SF foi de 14,37 dias (intervalo de seis a 41 dias). Nenhuma alteração do formato original do ICIQ-SF foi observada no final do processo de tradução e adaptação cultural. A consistência interna foi alta, como demonstrado pelo coeficiente alfa de Cronbach (0,88). O resultado do teste-reteste foi considerado de moderado a forte, como indicado pelo índice Kappa ponderado, cujos valores variaram de 0,72 a 0,75, e o coeficiente de correlação de Pearson que foi de 0,89. A correlação entre o ICIQ-SF e o KHQ foi considerada de moderada a boa para a maioria dos itens, variando de 0,44 a 0,77. A avaliação das validades de constructo e concorrente foi também satisfatória e estatisticamente significante. CONCLUSÕES: A versão para o português do ICIQ-SF foi traduzida e validada com sucesso para aplicação em pacientes brasileiros de ambos os sexos, com queixa de incontinência urinária, apresentando satisfatória confiabilidade e validade de constructo.

Incontinência urinária; Questionários; Validade; Tradução (produto); Qualidade de vida


OBJECTIVE: To translate into and validate for Portuguese the "International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form" (ICIQ-SF), a condition-specific quality-of-life questionnaire for patients with urinary incontinence. METHODS: Two Brazilians independently translated the original ICIQ-SF into Portuguese. These two translations were harmonized, and then checked by independent back-translation by two native English speakers. The harmonized translation was pre-tested in a pilot study on 20 patients. The final version of the ICIQ-SF in Portuguese was applied to 123 consecutive patients aged 16 or over (29 males and 94 females) with a complaint of urinary incontinence, who had sought the Department of Urogynecology and Uroneurology of the School of Medical Sciences of Unicamp. The Portuguese version of the King's Health Questionnaire (KHQ) was also applied to the same group. The psychometric properties of the questionnaire, such as reliability and construct validity were assessed. RESULTS: The median age was 53 years (range: 16 to 86). The mean retest interval for the ICIQ-SF was 14.37 days (range: 6 to 41). No changes from the original format of the ICIQ-SF were observed at the end of the process of translation and cultural adaptation. The internal consistency was high (0.88), as measured by the Cronbach alpha coefficient. The test-retest value was considered moderate to strong, as measured by the weighted Kappa index (range: 0.72 to 0.75) and Pearson correlation coefficient (0.89). The correlation between the ICIQ-SF and KHQ was considered to be moderate to good for most items (range: 0.44 to 0.77). The evaluation of the construct and concurrent validity was also satisfactory and statistically significant. CONCLUSIONS: The "International Consultation on Incontinence Questionnaire" (ICIQ-SF) was successfully translated into Portuguese and validated for application to Brazilian female and male patients complaining of urinary incontinence, with satisfactory reliability and construct validity.

Urinary incontinence; Questionnaires; Validation; Translation; Quality of life


ARTIGOS ORIGINAIS

Validação para o português do "International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form" (ICIQ-SF)

José Tadeu Nunes Tamanini; Miriam Dambros; Carlos Arturo Levi D'Ancona; Paulo César Rodrigues Palma; Nelson Rodrigues Netto Jr

Disciplina de Urologia da Faculdade de Ciências Médicas. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José Tadeu Nunes Tamanini Rua Floriano Peixoto, 443 17201-100 Jaú, SP, Brasil E-mail: tadeutamanini@jau.flash.tv.br

RESUMO

OBJETIVO: Traduzir e validar para a língua portuguesa o questionário de qualidade de vida condição-específico denominado International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF) em pacientes com incontinência urinária.

MÉTODOS: Duas traduções independentes do ICIQ-SF foram feitas por brasileiros, fluentes na língua inglesa. Após harmonização das mesmas, a tradução resultante foi retrotraduzida independentemente por dois nativos de países de língua inglesa. As diferenças foram harmonizadas e pré-testadas em um estudo piloto. A versão final do ICIQ-SF para o português, bem como a versão em português do King's Health Questionnaire (KHQ) foram aplicadas simultaneamente em 123 pacientes consecutivos com queixa de incontinência urinária (29 homens e 94 mulheres) que procuraram o laboratório de uroginecologia e o serviço de urodinâmica de um hospital universitário, localizado em Campinas. Foram testadas as propriedades psicométricas do questionário, como confiabilidade e validade de constructo.

RESULTADOS: A idade mediana foi de 53 anos (intervalo de 16 a 86 anos). O período médio de reteste para o ICIQ-SF foi de 14,37 dias (intervalo de seis a 41 dias). Nenhuma alteração do formato original do ICIQ-SF foi observada no final do processo de tradução e adaptação cultural. A consistência interna foi alta, como demonstrado pelo coeficiente alfa de Cronbach (0,88). O resultado do teste-reteste foi considerado de moderado a forte, como indicado pelo índice Kappa ponderado, cujos valores variaram de 0,72 a 0,75, e o coeficiente de correlação de Pearson que foi de 0,89. A correlação entre o ICIQ-SF e o KHQ foi considerada de moderada a boa para a maioria dos itens, variando de 0,44 a 0,77. A avaliação das validades de constructo e concorrente foi também satisfatória e estatisticamente significante.

CONCLUSÕES: A versão para o português do ICIQ-SF foi traduzida e validada com sucesso para aplicação em pacientes brasileiros de ambos os sexos, com queixa de incontinência urinária, apresentando satisfatória confiabilidade e validade de constructo.

Descritores: Incontinência urinária. Questionários. Validade. Tradução (produto). Qualidade de vida.

INTRODUÇÃO

O uso de questionários, genéricos ou específicos, como instrumentos de avaliação de qualidade de vida tem sido intensificado na pesquisa científica nos últimos anos. Isso se deve ao fato de haver crescente interesse dos pesquisadores em saúde por métodos subjetivos de avaliação clínica. Dessa forma, valoriza-se a opinião do paciente sobre sua condição de saúde. Na última década, foram construídos vários questionários na área de disfunções miccionais. Esses instrumentos, geralmente elaborados na língua inglesa, avaliam o impacto dessas disfunções na qualidade de vida dos pacientes. Por serem extensos, tornaram-se ineficientes e, conseqüentemente, de difícil aplicabilidade na prática clínica ou mesmo em pesquisas científicas. Para que seu uso seja adequado a outras línguas e culturas é necessário submetê-los às regras internacionais de tradução e adaptação cultural para a língua alvo.9

A incontinência urinária (IU) não é uma doença, mas sim um sintoma e um sinal de disfunção vesical e/ou do mecanismo esfincteriano uretral.12 O Comitê de padronização da Sociedade Internacional de Continência (ICS) considera IU "a queixa de qualquer perda involuntária de urina".1 Em 1997, recomendou que medidas de qualidade de vida fossem incluídas em todas as pesquisas clínicas sobre IU, como um complemento adicional aos tradicionais parâmetros clínicos.4 Há um consenso na literatura internacional de que a IU pode afetar adversamente a qualidade de vida, levando a implicações importantes em muitas esferas como a psicológica, social, física, econômica, do relacionamento pessoal e sexual.6 A IU apresenta-se não apenas como uma ameaça à auto-estima, mas como fator de isolamento social e depressão. Outro consenso entre os pesquisadores do assunto é que os próprios pacientes são seus melhores juízes na avaliação da qualidade de vida.14

Recentemente, o King's Health Questionnaire (KHQ),10 instrumento que avalia o impacto dos sintomas do trato urinário baixo na qualidade de vida de mulheres, foi submetido ao processo de tradução e adaptação cultural para a língua portuguesa e está disponível para uso em pesquisas clínicas no Brasil.15

Os objetivos do presente estudo são a tradução do International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF) para a língua portuguesa, adaptação cultural e validação para uso em pesquisas clínicas no Brasil. O ICIQ-SF é um questionário simples, breve e auto-administrável, escolhido para ser traduzido e adaptado para nossa cultura por avaliar rapidamente o impacto da IU na qualidade de vida e qualificar a perda urinária de pacientes de ambos os sexos. Foi originalmente desenvolvido e validado na língua inglesa por Avery et al.3

MÉTODOS

Foi realizado estudo observacional, tipo corte transversal, em 123 pacientes consecutivos, de ambos os sexos, que procuraram o ambulatório de uroginecologia e o serviço de urodinâmica de um hospital universitário de Campinas, no período de setembro a dezembro de 2002. Os pacientes incluídos no estudo foram considerados incontinentes ao declararem episódios de perdas urinárias de pelo menos uma vez por semana, nos últimos três meses. Foram excluídos pacientes em período gestacional ou em lactância e menores de 16 anos.

Na primeira entrevista foram colhidos dados sociodemográficos como idade, cor (branca, preta, parda), escolaridade (nenhuma, primeiro grau, segundo grau, superior), estado civil (solteiro, casado, separado, viúvo), ocupação profissional (estudante, do lar, empregado, desempregado, aposentado) renda familiar (1, 2-4, >4 salários-mínimos). Também foram coletadas variáveis clínicas como tempo de queixa de IU (<1 ano e > 1 ano), tipo de queixa (urge-incontinência, IU de esforço e IU mista), uso de absorventes (sim, não) e número de absorventes (1-2, 3-4 e >4 unidades/dia).

Os pacientes foram solicitados para preencher as versões na língua portuguesa do ICIQ-SF e do KHQ. Esse último é composto por 21 questões, distribuídas em oito domínios, além de uma escala de gravidade da IU e outra de sintomas urinários. É pontuado pelos seus domínios, não havendo escore geral. Os escores variam de 0 a 100; quanto maior a pontuação obtida, pior é a qualidade de vida relacionada àquele domínio.

Conforme já mencionado, o ICIQ-SF é um questionário auto-administrável que avalia o impacto da IU na qualidade de vida e a qualificação da perda urinária dos pacientes analisados. O ICIQ-SF é composto de quatro questões que avaliam a freqüência, a gravidade e o impacto da IU, além de um conjunto de oito itens de autodiagnóstico, relacionados às causas ou a situações de IU vivenciadas pelos pacientes.

Na segunda entrevista, marcada dentro de um período médio de 15 dias a partir da primeira, foi novamente aplicado o ICIQ-SF. Nesse período, nenhum paciente foi submetido a tratamento clínico ou cirúrgico para IU.

O tamanho da amostra foi determinado admitindo-se uma correlação mínima de 0,30 entre os domínios do KHQ e o escore geral do ICIQ-SF; fixando-se um a (erro tipo I) de 5% e um b (erro tipo II) de 0,10. Assim, obteve-se um tamanho amostral de, no mínimo, 113 sujeitos.

Tradução e adaptação cultural

As recomendações feitas por Guillemin et al foram rigorosamente seguidas para se estabelecer a equivalência cultural da versão original em inglês do ICIQ-SF.9 Duas traduções foram feitas por brasileiros, fluentes na língua inglesa e cientes dos objetivos da pesquisa. Após harmonização de ambas, a tradução resultante denominada versão 1 (V1) foi retrovertida para o inglês por duas pessoas nativas na Inglaterra, fluentes em português e não cientes dos objetivos da pesquisa. Após harmonização da retroversão denominada versão 2 (V2) com a original em inglês, a tradução em português (V1) foi considerada gramatical e semanticamente equivalente à versão original em inglês e apta para ser submetida a um comitê de cinco juizes bilíngües, todos relacionados à área da saúde. Após serem consideradas suas sugestões, a versão em português do ICIQ-SF (V1) foi pré-testada em 10 pacientes com queixa de IU.

Após ajustes finais no texto do questionário de acordo com os resultados do primeiro pré-teste, em que a maior parte dos pacientes não entendeu a questão número 4, houve a necessidade de realização de um segundo pré-teste para melhorar a adaptação cultural dessa questão.

Validade de conteúdo/face

A única alteração da tradução em relação ao texto original ocorreu na questão número 4: We would like to know how much urine you think leaks. How much urine do you usually leak (whether you wear protection or not)? Sua tradução inicial foi: "Gostaríamos de saber quanta urina você pensa que perde. Quanta urina você normalmente perde (se você usa proteção ou não)?". Pela tradução e retrotradução realizadas, a versão em português foi considerada gramatical e semanticamente correta. Porém, durante a fase de pré-teste, observou-se dificuldade de compreensão pela maioria dos pacientes, principalmente porque ela era composta de duas frases com o mesmo significado em nossa cultura. A frase que se encontra entre parênteses não ajudou a esclarecer o significado total da questão para a maioria dos pacientes. Por esse motivo, a questão 4 foi modificada como segue: "Gostaríamos de saber a quantidade de urina que você pensa que perde. (assinale uma resposta)". Com essa frase, no segundo pré-teste, obteve-se taxa de compreensão de 90%. Assim, a versão final do ICIQ-SF foi considerada finalizada para ser aplicada na amostra de 123 pacientes.

Validade de constructo e concorrente

A validade de constructo foi avaliada pela comparação da versão já validada em português do KHQ com a versão em português do ICIQ-SF. A validade concorrente foi avaliada determinando-se a capacidade de o ICIQ-SF discriminar diferentes subgrupos de pacientes com diferentes queixas clínicas como urge-incontinência, IU de esforço, e IU mista, todas diagnosticadas pela anamnese.

Como hipóteses, foi avaliado se a pior qualidade de vida estaria relacionada à alguns parâmetros sociodemográficos como sexo, escolaridade, estado civil e renda familiar. Também se analisou se a pior QV estaria relacionada à gravidade de alguns parâmetros clínicos como tempo e tipo de queixa e uso de absorventes. A confiabilidade foi analisada pela consistência interna e pelo teste-reteste.

Análise estatística

Análise descritiva pela freqüência das variáveis categóricas e medidas de posição e dispersão das contínuas.

Como medida de confiabilidade foram avaliadas a consistência interna dos instrumentos e o teste-reteste. Para a consistência interna, aplicou-se o coeficiente alfa de Cronbach padronizado; para o teste-reteste das questões 3 e 4 foi utilizado o coeficiente de Kappa ponderado. Para a avaliação do teste-reteste da questão 5 aplicou-se o coeficiente de correlação de Pearson. Para análise do teste-reteste do escore final do ICIQ-SF (somatória dos escores das questões 3, 4 e 5) foi utilizado o coeficiente de correlação intraclasses (ICC).

Para comparação de proporções foi utilizado o teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher, quando necessário. Na comparação de variáveis contínuas ou ordenáveis entre dois grupos independentes foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Para três ou mais grupos, o teste de Kruskal-Wallis. O nível de significância adotado foi de 5%.

O programa computacional utilizado foi o SAS System for Windows (Statistical Analysis System), versão 8,2. SAS Institute Inc, 1999-2001, Cary, NC, USA. A análise estatística teve como base orientações de Agresti et al2 e Fleiss.8

A versão completa em português do ICIQ-SF encontra-se na Figura.2,8


Os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp sob o número de 349/2001.

RESULTADOS

Foram entrevistados os 123 pacientes da amostra, com queixa de IU, sendo 94 do sexo feminino. A idade mediana foi de 53, variando de 16 a 86 anos. Cerca de 96 pacientes (78,1%) eram brancos. O período médio de reteste para o ICIQ-SF foi de 14,37±5,16 dias, variando de 6 a 41 dias. A maior parte dos pacientes (22 ou 17,9%) era analfabeta ou tinha cursado o primeiro grau (58 ou 47,1%). A maioria dos pacientes era casada (84 ou 68,3%), trabalhadores ativos (51 ou 41,5%) com renda familiar igual ou superior a quatro salários-mínimos (59 ou 48%). Cerca de 103 pacientes (83,7%) apresentavam IU há mais de um ano. A urge-incontinência foi a queixa mais freqüente, relatada por 52 pacientes (42,3%); 80 (65%) usavam absorventes e desses, 47 (58,7%) usavam pelo menos três absorventes/dia.

De maneira geral, o impacto da IU na qualidade de vida foi pior nas mulheres em relação aos homens (p=0,03); e também nos pacientes com baixa escolaridade (analfabetos e pessoas com primeiro grau -p=0,0005)].

O estudo das associações entre os escores dos questionários analisados e as categorias das variáveis cor e estado civil não conseguiu detectar diferenças significativas, como já era esperado; todavia, conseguiu detectar diferenças significativas nas correlações entre as categorias das variáveis escolaridade, sexo, renda familiar (p<0,0001), tipo de queixa (p=0,0176) e uso de absorventes (p<0,0001) com o escore geral do ICIQ-SF. Foram verificadas também diferenças significativas dessas variáveis com a maioria dos domínios do KHQ.

Os estudos de confiabilidade e validade estão apresentados nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.

DISCUSSÃO

A falta de instrumentos de avaliação de qualidade de vida traduzidos e validados para o português na área de urologia e ginecologia tem restringido as pesquisas nesse campo até hoje no Brasil. Nesse segmento, o KHQ em português provou ser robusto pela análise de suas propriedades de medida.15 Seu constructo, entretanto, foi elaborado para avaliar disfunções miccionais em geral. A decisão pela tradução e adaptação cultural do ICIQ-SF deveu-se ao fato de ser um instrumento que avalia, especificamente, o impacto do sintoma IU na vida dos pacientes.

Uma das limitações do estudo esteve relacionada à escolaridade da amostra populacional. Apesar de ser auto-aplicável, teve de ser lido pelo entrevistador para 17% da amostra. Esse recurso é de uso comum para a inclusão dos pacientes com baixa ou nenhuma escolaridade.5

A confiabilidade, medida pela consistência interna dos itens e avaliada pelo alfa de Cronbach padronizado, foi calculada pelos escores das questões 3, 4 e 5. Esse coeficiente é utilizado para verificar a homogeneidade dos itens do instrumento, ou seja, sua acurácia. Como regra geral, a acurácia não deve ser menor que 0,80 se a escala for amplamente utilizada, porém valores acima de 0,60 já indicam consistência.11 O alfa de Cronbach foi considerado satisfatório, com valor de 0,88. O teste-reteste, outro método de avaliação da confiabilidade, foi analisado separadamente para cada questão. O teste de Kappa ponderado, utilizado nas questões 3, 4 e 6, variou de 0,69 a 0,91; o coeficiente de correlação de Pearson, para a questão 5, foi de 0,89 e o coeficiente de correlação intraclasses, para o escore final ICIQ, foi de 0,80.

A validade de constructo foi analisada pela medida das correlações entre o escore final do ICIQ-SF e os domínios do KHQ. Observou-se que houve, de maneira geral, uma associação moderada entre os dois instrumentos, o que não poderia ser diferente, pois eles não avaliam o mesmo conceito e sim, conceitos relacionados. O KHQ é um questionário com maior número de itens. Avalia sintomas urinários em geral e o impacto que eles têm em diferentes aspectos da vida dos pacientes. Contudo, foram observadas correlações significativas entre o escore final do ICIQ-SF e todos os domínios do KHQ (p<0,0001). Apenas o domínio das "relações pessoais" ficou abaixo de 0,50. Como era de se esperar, a maior correlação aconteceu com o domínio "impacto da incontinência", cujo índice de correlação foi de 0, 77. Como a questão 5 do ICIQ-SF e a questão do impacto da incontinência do KHQ têm o mesmo conceito teórico, era esperada uma forte correlação entre elas. Observou-se uma correlação satisfatória, de 0,79 (p-valor <0,0001). Uma explicação para tal fenômeno seria o fato de as questões terem escalas e pontuações diferentes para as respostas, além de uma usar as expressões "incontinência urinária" e "problema de bexiga".

A validade concorrente foi avaliada pela correlação entre algumas variáveis sociodemográficas e clínicas e o escore final do ICIQ-SF. Quanto ao tempo de queixa, a diferença foi limítrofe (p=0,07) entre aqueles que usavam absorventes em período menor de um ano e os que usavam em período maior ou igual a um ano. A IU mista foi considerada a queixa que mais negativamente interferiu na qualidade de vida da amostra (p<0,0001), dado corroborado por resultados de trabalhos epidemiológicos em IU realizados na Suécia por Simenova et al.13 As pacientes que usavam absorventes também tinham pior impacto na qualidade de vida quando comparadas às que não usavam a proteção (p<0,0001). Esses resultados são similares aos encontrados na validação do KHQ para o português.15 Tal achado pode ser explicado pelo fato de mulheres com IU de esforço poderem adaptar seu estilo de vida, evitando situações de esforço físico. Por outro lado, as mulheres que têm predomínio de sintomas de urge-incontinência são incapazes de exercer controle sobre a função miccional, estando sujeitas a perdas involuntárias subitamente.

A consistência interna do ICIQ-SF foi satisfatória, obtendo-se índice geral de 0,88. Isso revela que as três questões utilizadas para o seu cálculo têm um bom grau de correlação entre si, além de apresentar uma correlação positiva entre seus itens. A consistência interna do KHQ foi de 0,93, sendo considerada bastante satisfatória.

Ao se analisar os resultados gerais obtidos, observou-se que as hipóteses levantadas previamente foram confirmadas, pois a pior qualidade de vida medida pelo ICIQ-SF esteve relacionada à maior gravidade dos parâmetros clínicos e sociodemográficos pesquisados.

O propósito de uma próxima pesquisa será o estudo de sua responsividade. O ICIQ-SF faz parte de um projeto internacional denominado "ICIQ Modular Questionnaire" que envolverá a construção e validação de questionários breves e específicos para bexiga hiperativa, incontinência fecal, noctúria, entre outras.7

Em conclusão, a versão do ICIQ-SF foi traduzida e validada com sucesso para o português, de acordo com o resultado da análise final de suas propriedades de medida. Pela sua simplicidade e brevidade, torna-se um instrumento prático e disponível para utilização em pesquisas clínicas e em ensaios epidemiológicos no Brasil.

Recebido em 16/7/2003

Reapresentado em 23/3/2004

Aprovado em 22/4/2004

  • 1. Abrams P, Cardozo L, Fall M, Griffiths D, Rosier P, van Kerrebroeck P et al. The standardisation of terminology of lower urinary tract function: report from the standardization sub-committee of the international continence society. Neurourol Urodynamics 2002;21:167-78.
  • 2. Agresti A, Finlay B. Statistical methods for the social sciences. San Francisco: Dellen Publishing Company; 1986.
  • 3. Avery K, Donovan J, Abrams P. Validation of a new questionnaire for incontinence: the International Consultation on Incontinence Questionnaire (ICIQ). abstract nº 86 of the International Continence Society 31st annual meeting. Seoul, Korea. Neurourol Urodynamics 2001;20:510-1.
  • 4. Blaivas JG, Appell RA, Fantl JA. Standards of efficacy for evaluation of treatment outcomes in urinary incontinence: recommendations of the Urodynamic society. Neurourol Urodynamics 1997;16:145-7.
  • 5. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol 1999;39:143-50.
  • 6. Chiverton PA, Wells TJ, Brink CA, Mayer R. Psychological factors associated with urinary incontinence. Clin Nurse Specialist 1996;10:229-33.
  • 7. Donovan J, Badia X, Corcos J, Gotoh M, Kelleher C, Naughton M, Shaw C. Symptom and quality of life assessment. In: Cardozo L, Khoury S, Wein A, editors. Proceedings of the Second International Consultation on Incontinence; 2001 Jul 1-3. 2nd ed. Plymouth: Health Publication Ltd; 2002. p. 267-316.
  • 8. Fleiss JL. Statistical methods for rates and proportions. 2nd ed. New York: John Wiley & Sons Inc; 1981.
  • 9. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol 1993;46:1417-32.
  • 10. Kelleher CJ, Cardozo LD, Khullar V, Salvatore S. A new questionnaire to assess the quality of life of urinary incontinent women. Br J Obstet Gynaecol 1997;104:1374-9.
  • 11. Pereira JCR. Análise de dados qualitativos: estratégias metodológicas para as ciências da saúde, humanas e sociais. 3ª ed. São Paulo: Edusp; 2001.
  • 12. Raz S, Litlle NA, Juma S. Female urology. In: Walsh PC, Retik AB, Stamey TA, Vaughan Jr ED, editors. Campbell's urology. 6th ed. Philadelphia: W.B. Saunders Co.; 1992. p. 2782-828.
  • 13. Simeonova Z, Milsom I, Kullendorff AM, Molander U, Bengtsson C. The prevalence of urinary incontinence and its influence on the quality of life in women form an urban Swedish population. Acta Obstet Gynecol Scand 1999;78:546-51.
  • 14. Swithinbank LV, Abrams P. The impact of urinary incontinence on the quality of life of women. World J Urol 1999;17:225-9.
  • 15. Tamanini JTN, D'Ancona CAL, Botega N, Rodrigues Netto N. Tradução, confiabilidade e validade do "King's Health Questionnaire" para a língua portuguesa em mulheres com incontinência urinária. Rev Saúde Pública 2003;37:203-11.
  • Endereço para correspondência
    José Tadeu Nunes Tamanini
    Rua Floriano Peixoto, 443
    17201-100 Jaú, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      22 Abr 2004
    • Revisado
      23 Mar 2004
    • Recebido
      16 Jul 2003
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br