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Qualidade de vida e fatores associados em pessoas vivendo com HIV/AIDS

Resumo

Objetivo

Avaliar a qualidade de vida em pessoas vivendo com HIV/AIDS e os fatores associados.

Métodos

Estudo transversal, realizado com 146 pessoas com HIV em tratamento ambulatorial. Os instrumentos utilizados foram: questionário para avaliação socioeconômica, demográfica, epidemiológica e clínica e a escala WHOQOL HIV-bref para avaliação da qualidade de vida. Foi realizada análise descritiva e empregado o teste de Regressão linear múltipla com modelagem stepwise forward.

Resultados

Houve prevalência do sexo masculino, baixa escolaridade e assintomáticos. Os domínios Nível de independência e Meio ambiente tiveram os piores escores. Ter ocupação remunerada, renda per capita, possuir religião, maior tempo de diagnóstico e adesão ao tratamento associaram-se positivamente à qualidade de vida. Relação homoafetiva, ter sofrido estigma ou preconceito, presença de sintomas psicossociais e ter adquirido infecções oportunistas foram preditores associados à pior qualidade de vida.

Conclusão

A qualidade de vida apresentou preditores associados e comprometimento em dois domínios da escala.

Qualidade de vida; HIV; Infecções por HIV; Síndrome de imunodeficiência adquirida; Enfermagem em saúde pública; Questionários

Abstract

Objective

To evaluate quality of life and the associated factors in people living with HIV/AIDS.

Methods

A cross-sectional study was performed with 146 people with HIV, receiving outpatient treatment. The instruments used were: a questionnaire for socioeconomic, demographic, epidemiological and clinical evaluation and the WHOQOL-HIV BREF scale for the quality of life evaluation. A descriptive analysis and a stepwise forward multiple linear regression test were performed.

Results

There was a predominance of male gender, lower educational level, and people who were asymptomatic. The Level of Independence and Environment domains had the worst scores. Having a paid occupation, the income per capita, having a religion, a longer time since diagnosis, and adherence to treatment were positively associated with quality of life. A homo-affective relationship, having been stigmatized or suffered prejudice, the presence of psychosocial symptoms, and having acquired opportunistic infections were predictors associated with a poorer quality of life.

Conclusion

Quality of life had associated predictors and compromise in two areas of the scale.

Quality of life; HIV; HIV infections; Acquired immunodeficiency syndrome; Public health nursing; Questionnaires

Introdução

No mundo, existem hoje mais de 35 milhões de pessoas vivendo com o vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida (HIV/AIDS).(11. World Health Organization (WHO), Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). The Gap Report; 2015.) A conquista de acesso ao tratamento, a adesão à terapia antirretroviral, a ampliação da oferta do diagnóstico e a cronicidade da doença têm provocado impactos na qualidade de vida dessas pessoas, levando a um aumento no tempo de sobrevida, à queda da morbimortalidade, ao aumento da expectativa de vida e à ressignificação de projetos futuros.(22. Domingues CS, Waldman EA. Causes of death among people living with SIDA in the pre-and pos-HAART eras in the city of São Paulo, Brazil. PLoS ONE. 2014; 9(12):1-16.)

Nesse sentido, compreende-se que apenas a possibilidade de uma vida mais longa não está diretamente ligada à boa qualidade de vida, pois a presença da infecção pelo HIV implica, ainda, um coquetel de mudanças relacionadas ao enfrentamento da condição sorológica, como uso regular de terapia antirretroviral, autopercepção e estágio clínico da doença, mudanças corporais, renda pessoal, ocupação, vitimização por discriminação e preconceito, ausência de suporte social e sintomas de depressão.(33. Reis RK, Santos CB, Gir E. Quality of life among Brazilian women living with HIV/SIDA. AIDS Care. 2012; 24(5):626-34.

4. Nomoto SH, Longhi RM, de Barros BP, Croda J, Ziff EB, Castelon Konkiewitz E. Socioeconomic disadvantage increasing risk for depression among recently diagnosed HIV patients in an urban area in Brazil: cross-sectional study. AIDS Care. 2015; 5:1-7.
-55. Handajani YS, Djoerban Z, Irawan H. Quality of Life People Living with HIV/AIDS: Outpatient in Kramat 128 Hospital Jakarta. Acta Med Indones. 2012; 44(4):310-6.)

Em um conceito amplo, para a Organização Mundial da Saúde (OMS), qualidade de vida consiste na percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores, nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.(66. da Silva J, Bunn K, Bertoni RF, Neves AO, Traebert J. Quality of life of people living with HIV. AIDS Care. 2013; 25(1):71-6.) Trata-se de uma avaliação abrangente da percepção dos indivíduos em relação a um conjunto de domínios.

Em resposta à luta pelo enfrentamento da AIDS, nos últimos anos, aumentou-se o interesse em avaliar a qualidade de vida dos soropositivos com base nas necessidades humanas afetadas pelo fenômeno de cronicidade da doença, perpassando os desfechos clínico-laboratoriais (CD4, carga viral e doenças oportunistas), e as dimensões bioéticas e socioculturais.

Para tal, o objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade de vida de pessoas vivendo com HIV/AIDS e os fatores associados.

Métodos

Estudo transversal, exploratório, com abordagem quantitativa, realizado com 146 pessoas que viviam com HIV/AIDS atendidas em um Serviço de Assistência Especializado de um Centro Integrado de Saúde no Estado do Piauí, Região do Nordeste do Brasil.

Os critérios de inclusão do estudo foram: indivíduos de ambos os sexos, com idade superior ou igual a 18 anos; resultado de exame sorológico reagente para HIV, tendo desenvolvido ou não a síndrome; uso da terapia antirretroviral; estar no Serviço de Assistência Especializado no momento da coleta de dados; ser domiciliado em Teresina (PI); apresentar condições físicas, mentais e psicológicas para participar da entrevista e aquiescer em participar do estudo. Foram critérios de exclusão: indivíduos privados de liberdade e com dificuldades cognitivas.

A seleção dos participantes foi do tipo acidental, à medida que apareciam ao serviço para atendimento médico, em local privativo, antes do início da consulta. Os dados foram coletados por meio de entrevista, no período de agosto a dezembro de 2013, com aplicação de um questionário para avaliação socioeconômica, demográfica, epidemiológica e clínica dos participantes, e um instrumento previamente traduzido e validado no Brasil, a escala World Health Organization Quality of Life (WHOQOL) HIV-bref, utilizada para mensurar parâmetros de qualidade de vida específica para pessoas que vivem com HIV/AIDS.

Para análise dos dados, foi usado o pacote estatístico Statistical Package Social Science for Windows (SPSS), versão 19.0. Para caracterização da população do estudo (análise univariada), foi feita a análise descritiva por meio das médias e desvios padrão para as variáveis quantitativas, e proporções para as variáveis qualitativas.

As variáveis socioeconômicas, demográficas, epidemiológicas e clínicas relacionadas ao HIV foram apresentadas mediante uso de distribuições de frequências univariadas e medidas descritivas. A análise da confiabilidade do questionário WHOQOL HIV-bref foi realizada por meio do coeficiente alfa de Cronbach. O cálculo dos escores foi realizado seguindo a sintaxe proposta pelo WHOQOL Group. No modelo final da análise, por meio da regressão linear múltipla, as variáveis socioeconômicas, demográficas, epidemiológicas e clínicas foram dicotomizadas e transformadas em variáveis indicadoras (dummy), adotando a modelagem stepwise forward e com a significância estatística fixada em 5% (p≤0,05) e intervalo de confiança de 95%.

O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

A caracterização socioeconômica e demográfica do perfil da amostra em estudo evidenciou prevalência do sexo masculino (63,7%), média de idade de 38,4 anos (desvio padrão de 12,1), baixa escolaridade (43,8%), solteiros (74,7%), religiosos não praticante (57,5%), ocupação remunerada (71,2%), renda pessoal entre um e dois salários mínimos, e distribuição de renda per capita menor que um salário mínimo no conjunto de até quatro pessoas por residência (67,8%). O tipo de relação predominante foi a heterossexual (86,3%). A análise clínica deu tônica aos casos assintomáticos (44,5%), com tempo de diagnóstico entre 2 a 8 anos (64,4%), presença de problemas relacionados à adesão terapêutica (78,8%), ausência de infecções oportunistas (65,8%), presença de sintomas psicossociais − como medo, ansiedade, depressão (76,0%), e ter sofrido estigma ou preconceito (61,6%), conforme demonstrado na tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra, segundo as variáveis socioeconômicas, demográficas, epidemiológicas e clínicas

Nas dimensões do WHOQOL HIV-bref, os domínios mais comprometidos foram: Nível de independência (55,1) e Meio ambiente (59,2). O domínio Psicológico (67,9) apresentou melhor avaliação de qualidade de vida, seguido pelos domínios Espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais (65,7) e Relações sociais (65,0) como mostra a tabela 2.

Tabela 2
Distribuição dos escores dos domínios de qualidade de vida do World Health Organization Quality of Life (WHOQOL) HIV-bref

O modelo final de regressão múltipla dos fatores determinantes que apresentaram diferença significativa com os domínios de qualidade de vida são apresentados na tabela 3. Entre os seis domínios, os que mais explicaram a qualidade de vida foram Relações sociais (40,4%) e Meio ambiente (40,1%).

Tabela 3
Análise de regressão linear múltipla para identificação dos fatores preditores de qualidade de vida, segundo os domínios do World Health Organization Quality of Life (WHOQOL) HIV-bref

Na análise multivariada, os preditores que contribuíram para o aumento dos escores de qualidade de vida no domínio Físico, que avaliou a energia e a fadiga no desempenho das atividades físicas, presença de dor e/ou limitação física, presença de cansaço ou limitação para viver socialmente, e sintomas da pessoas que vivem com HIV/AIDS, por ordem de influência do coeficiente de regressão linear ajustado (β), foram: renda per capita maior que três salários mínimos (β=11,93; p=0,035) e de um a três salários mínimos (β=7,80; p=0,020); os preditores que diminuíram os escores nesse domínio foram orientação bissexual (β=-15,94; p=0,002), presença de sintomas psicossociais, como medo e/ou ansiedade (β=-15,26; p<0,001) e orientação homossexual (β=-11,04; p=0,002). O modelo de regressão pelo coeficiente de determinação ajustado (r2a) explicou 24,6% da variância desse domínio.

O modelo de regressão que utilizou o domínio Psicológico como variável dependente explicou 28,3% da variância desse domínio, que avaliou os sentimentos negativos e positivos, a cognição por meio da capacidade de memória e concentração, a autoestima, a imagem corporal e a aparência. A variável que mais contribuiu para explicar positivamente, por ordem de influência, foi possuir renda per capita maior que três salários mínimos (β=11,9; p=0,016). Em contrapartida, os preditores que influenciaram negativamente na qualidade de vida nesse domínio foram presença de sentimentos psicossociais (β=-7,64; p=0,005) e ter vivenciado situações de preconceito ou estigma (β=-7,16; p=0,020).

Quanto ao Nível de independência, que avaliou os aspectos que englobavam mobilidade física, Atividades da Vida Diária, aptidão para o trabalho e dependência de medicação ou tratamento, os preditores associados positivamente com melhor qualidade de vida, em ordem de influência, foram: possuir renda per capita maior que três salários mínimos (β=11,05; p=0,010), renda per capita de um a três salários mínimos (β=6,95; p=0,07) e praticar religião (β=5,48; p=0,017). Indivíduos com orientação sexual bissexual (β=-10,95; p=0,004), ter vivenciado situações de estigma ou preconceito (β=-6,57; p=0,007) e ser homossexual (β=-5,72; p=0,017) associaram-se negativamente, diminuindo a qualidade de vida nesse domínio.

Os preditores associados à melhor qualidade de vida no domínio Relações sociais, que avaliou os relacionamentos afetivos e sexuais, a inclusão social e o apoio social que recebiam dos amigos e familiares, foram tempo de infecção pelo HIV maior que 8 anos (β=14,45; p=0,011) e possuir ocupação remunerada (β=12,71; p=0,007). Nesse domínio, ter sofrido estigma ou preconceito estiveram associados à pior qualidade de vida (β=-14,47; p<0,001).

O domínio Meio ambiente avaliou os aspectos relacionados à segurança física, moradia, finanças, acesso, qualidade da saúde e assistência social, informatização, lazer, ambiente físico e transporte. Os preditores renda per capita maior que três salários mínimos (β=23,87; p<0,001), renda per capita de um a três salários mínimos (β=12,25; p<0,001), adesão ao tratamento (β=9,29; p=0,005) e possuir ocupação remunerada (β=6,94; p=0,02) estiveram positivamente associados à melhor qualidade de vida. Ter sofrido estigma/preconceito (β=-6,62; p=0,019) e história de infecção sexualmente transmissível ou doença oportunista (β=-6,18; p=0,035) diminuíram a qualidade de vida nesse domínio.

Em relação ao domínio Espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais, que avaliou aspectos relacionados ao perdão e à culpa por viver com o HIV/AIDS, e à preocupação com o futuro e a morte, o modelo de regressão explicou 23,6% de sua variância. Apenas a variável ocupação (β=9,24; p=0,049) associou-se positivamente com a qualidade de vida. Presença de sentimentos psicossociais (β=-21,83; p=0,004) diminuiu a qualidade de vida nesse domínio.

Discussão

O estudo apresentou como limitações o número amostral não ter sido probabilístico e o delineamento transversal, que não permitiu estabelecer relações de causa e efeito. Os resultados, no entanto, agregaram novos conhecimentos científicos acerca do comportamento das pessoas que vivem com HIV no Brasil, subsidiando o planejamento de ações de promoção da saúde e qualidade de vida, especialmente da Região Nordeste do país.

Os dados socioeconômicos, demográficos, epidemiológicos e clínicos dos 146 participantes do estudo evidenciaram importante prevalência do sexo masculino (63,7%), com média de idade de 38,4 anos. Essa caracterização apresenta similaridade com outros levantamentos brasileiros: sexo masculino, idade de 30 a 39 anos, baixa escolaridade, renda de um a dois salários mínimos, exposição por relação heterossexual, tempo de diagnóstico de 2 a 8 anos, estágio de infecção assintomático e problemas relacionados à adesão à terapia antirretroviral.(44. Nomoto SH, Longhi RM, de Barros BP, Croda J, Ziff EB, Castelon Konkiewitz E. Socioeconomic disadvantage increasing risk for depression among recently diagnosed HIV patients in an urban area in Brazil: cross-sectional study. AIDS Care. 2015; 5:1-7.

5. Handajani YS, Djoerban Z, Irawan H. Quality of Life People Living with HIV/AIDS: Outpatient in Kramat 128 Hospital Jakarta. Acta Med Indones. 2012; 44(4):310-6.

6. da Silva J, Bunn K, Bertoni RF, Neves AO, Traebert J. Quality of life of people living with HIV. AIDS Care. 2013; 25(1):71-6.
-77. Granjeiro A, Escuder MM, Cassanote AJF, Souza RA, Kalichman AO, Veloso V, et al. The HIV-Brazil cohort study: design, methods and participant characteristics. PLoS One. 2014; 9(5):e95673.)

Outros estudos corroboraram esses achados: na África do Sul, houve prevalência de casos no sexo masculino (54,5%), baixa escolaridade (48,2%) e indivíduos adultos jovens com média de idade de 36,2 anos, típica dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento;(88. Louw J, Peltzer K, Naidoo P, Matseke G, Mchunu G, Tutshana B. Quality of life among tuberculosis (TB), TB retreatment and/or TB-HIV co-infected primary public health care patients in three districts in South Africa. Health Qual Life Outcomes. 2012; 10:77.) na China, a maioria dos participantes (92%) também não praticava religião.(99. Li X, Huang L, Wang H, Fennie KP, He G, Williams AB. Stigma mediates the relationship between Self-Efficacy, Medication Adherence, and Quality of Life Among People Living with HIV/AIDS in China. AIDS Patient Care STDS. 2011; 25(11):665-71.) Na Nigéria, região com o segundo maior número de pessoas vivendo com HIV/AIDS, os resultados divergiram, apontando maior prevalência de mulheres com relações estáveis ou casadas.(1010. Akinboro AO, Akinyemi SO, Olaitan PB, Raji AA, Popoola AA, Awoyemi OR, et al. Quality of life of Nigerians living with human immunodeficiency virus. Pan Afr Med J. 2014; 18:234.)

De acordo com os domínios de qualidade de vida, os indivíduos apresentaram bons escores na maioria dos domínios, enfatizando os domínios Psicológico (67,9) e Espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais (65,7), e piores escores médios nos domínios Meio ambiente (59,2) e Nível de independência (55,1). Em estudos brasileiros(3,6) e internacionais,(1010. Akinboro AO, Akinyemi SO, Olaitan PB, Raji AA, Popoola AA, Awoyemi OR, et al. Quality of life of Nigerians living with human immunodeficiency virus. Pan Afr Med J. 2014; 18:234.,1111. Bakiono F, Ouédraogo L, Sanou M, Samadoulougou S, Guiguemdé PWL, Samadoulougou FK, et al. Quality of life with HIV: a cross-section study in Ouagadougou, Burkina Faso. Springerplus. 2014; 3:372.) os domínios Meio ambiente e Nível de independência também apresentaram menores escores em relação aos outros domínios de qualidade de vida.

Considerando-se a análise comparativa entre a avaliação da qualidade de vida e as variáveis em estudo, os resultados da análise de regressão múltipla indicam que ter ocupação remunerada, renda per capita, possuir religião, maior tempo de diagnóstico e adesão ao tratamento associaram-se positivamente à qualidade de vida. Relação homoafetiva, ter sofrido estigma ou preconceito, presença de sintomas psicossociais e ter adquirido infecções oportunistas foram preditores associados à pior qualidade de vida nos domínios do WHOQOL-HIV bref.

Em relação à renda per capita e ocupação, se consideradas como força de trabalho, elas apresentaram diferenças estatisticamente positivas em relação a todos os domínios. Assim, maiores pontuações foram identificadas entre aqueles que estiveram ou estão, de alguma forma, incluídos no mercado de trabalho e à remuneração do conjunto de pessoas que vivem na mesma residência, cuja proporção de distribuição de renda bruta foi maior que um salário mínimo por pessoa.

Em outras investigações na área, emprego ou aposentadoria, renda superior a um salário mínimo e nível de escolaridade mais altos foram associados com maiores escores de qualidade de vida.(33. Reis RK, Santos CB, Gir E. Quality of life among Brazilian women living with HIV/SIDA. AIDS Care. 2012; 24(5):626-34.) Estudo que avaliou empregabilidade e adesão à terapia antirretroviral revelou que pessoas empregadas eram 27% mais propensas a aderir à terapia antirretroviral que os desempregados.(1212. Nachega JB, Uthman OA, Peltzer K, Richardson LA, Mills EJ, Amekudzi K, et al. Association between antiretroviral therapy adherence and employment status: systematic review and meta-analysis. Bull World Health Organ. 2015; 93(1):29-41.)

Considerando a influência do uso de antirretrovirais, a maioria da amostra estudada apresentou problemas com a adesão ao tratamento quanto ao esquema, doses e horários. A adesão é preditora determinante para a qualidade de vida, supressão viral e diminuição dos riscos de infecções oportunistas. Tendo em vista as modificações na morbimortalidade, estudos têm mostrado o impacto positivo da adesão à terapia antirretroviral sobre a qualidade de vida.(55. Handajani YS, Djoerban Z, Irawan H. Quality of Life People Living with HIV/AIDS: Outpatient in Kramat 128 Hospital Jakarta. Acta Med Indones. 2012; 44(4):310-6.,1313. Tran BX, Nguyen LT, Nguyen NH, Hoang QV, Hwang J. Determinants of antiretroviral treatment adherence among HIV/AIDS patients: a multisite study. Glob Health Action. 2013; 6(19570):1-7.,1414. Langebeek N, Gisolf EH, Reiss P, Vervoot SC, Hafsteinsdóttir TB, Richter C, et al. Preditors and correlates of adherence to combination antiretroviral therapy (ART) for chronic HIV infection: a meta-analysis. BMC Med. 2014; 12:142.)

Permeados por sentimento de culpa, solidão e medo da morte, os participantes que exercitavam a espiritualidade por meio da fé ou crenças religiosas alcançaram maior enfrentamento à condição sorológica, encorajamento e aptidão para o trabalho. A espiritualidade e a religião melhora a saúde, a qualidade de vida e ajudam as pessoas que vivem com HIV a lidar com o estresse proveniente do estigma e de práticas discriminatórias.(1515. Szaflarski M. Spirituality and religion among HIV-infected individuals. Curr HIV/AIDS Rep. 2013; 10(4):324-32.)

Frente ao fenômeno de cronicidade da AIDS, a ressignificação do viver com HIV nos participantes com maior tempo de diagnóstico possibilita a aceitação, a adaptação e a conformação com a doença, oportunizando a idealização de projetos, a inclusão social, os relacionamentos afetivos e sexuais e até maior adesão ao tratamento. Resultados semelhantes mostram que níveis mais elevados de CD4, carga viral indetectável e maior tempo de terapia antirretroviral aumentaram a qualidade de vida.(55. Handajani YS, Djoerban Z, Irawan H. Quality of Life People Living with HIV/AIDS: Outpatient in Kramat 128 Hospital Jakarta. Acta Med Indones. 2012; 44(4):310-6.)

Considerando-se as representações da doença na vida dos participantes, houve diferenças estatisticamente significativas em todos os seis domínios com a presença de sintomas psicossociais e vivência de estigma e/ou preconceito. Estudos realizados no sul da Índia apontaram a prevalência das formas grave de depressão e estigma em pessoas HIV positivo, sendo 12 e 27,1%, respectivamente, bem como associação entre ansiedade, depressão e estigma à pior qualidade de vida.(1616. Charles B, Jeyaseelan L, Pandian AK, Sam AE, Thenmozhi M, Jayanseelan V. Association between stigma, depression and quality of people living with HIV/AIDS (PLHA) in South India - a community based cross sectional study. BMC Public Health. 2012; 12:463.

17. Peter E, Kamath R, Andrews T, Hedge BM. Psychosocial determinants of health-related quality of life people living with HIV/AIDS on antiretroviral therapy at Udupi District, Southern India. Int J Prev Med. 2014; 5(2):203-9.
-1818. Tesfay A, Gebremariam A, Gerbaba M, Abrha H. Gerder diferences in health related quality of life among People Living with HIV on Highly Active Antiretroviral Therapy in Mekelle Town, Northern Ethiopia. Biomed Res Int. 2015; 2015:516369.) Na Nigéria, alta prevalência de depressão (23,1%) foi identificado em mulheres de 30 a 39 anos, solteiras, com presença de pensamentos ou tentativas suicidas.(1919. Obadeji A, O Ogunlesi A, O Adebowale T. Prevalence and predictors of depression in people living with HIV/AIDS Attending an Outpatient Clinic in Nigeria. Iran J Psychiatry Behav Sci. 2014; 8(1):26-31.) No Brasil, estudo transversal revelou alta prevalência de sintomas depressivos (61%) e pior qualidade de vida mediados por baixo nível socioeconômico, baixa escolaridade e presença de estigma.(44. Nomoto SH, Longhi RM, de Barros BP, Croda J, Ziff EB, Castelon Konkiewitz E. Socioeconomic disadvantage increasing risk for depression among recently diagnosed HIV patients in an urban area in Brazil: cross-sectional study. AIDS Care. 2015; 5:1-7.)

Com o aumento da sobrevida, as ações para prevenir e gerir comorbidades assumiram importante papel na agenda das políticas públicas afirmativas. Estudo que avaliou a mortalidade por infecções oportunistas apresentou diminuição de 75,3% da taxa de mortalidade por pneumonia Pneumocystis carinii, de 82,8% por tuberculose, de 80,5% por sarcoma de Kaposi e diminuição de 70,8% na mortalidade por linfoma não Hodgkin. Em contraste, a mortalidade por câncer aumentou 12,7 vezes, sendo mais comum o câncer de pulmão (13,6%); neoplasias malignas do lábio, cavidade oral e faringe (10%); e câncer de estômago (10%).(22. Domingues CS, Waldman EA. Causes of death among people living with SIDA in the pre-and pos-HAART eras in the city of São Paulo, Brazil. PLoS ONE. 2014; 9(12):1-16.)

Desde o surgimento dos primeiros casos de infecção por HIV no mundo, as relações homoafetivas têm representado importante grupo-chave de vulnerabilidade influenciando significativamente a qualidade de vida.(2020. Chen J, Wang H, Liao Z, Han M, Xiong W. [Analysis of quality of life and its influencing factors amoung MSM]. Wei Sheng Yan Jiu. 2014; 43(1):54-7. Chinese.)

Conclusão

As pessoas que vivem com HIV/AIDS apresentam pior qualidade de vida nos domínios Nível de independência e Meio ambiente. Os preditores associados negativamente foram relação homoafetiva, ter sofrido estigma ou preconceito, presença de sentimentos psicossociais e história de infecção sexualmente transmissível ou de infecção oportunista.

Agradecimentos

À Universidade Federal do Piauí pelo suporte institucional para a realização do estudo e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior, pela bolsa de mestrado concedida a Oliveira FBM.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2015
  • Aceito
    6 Maio 2015
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